29 janeiro 2008

introdução

a adoção da ironia como tom narrativo serve para marcar o distanciamento em relação à característica neutralidade com que se configuram os textos que geralmente tratam os temas em questão, principalmente em viés oficial, mas também para caracterizar, diferenciando a proposta metodológica em que se investe aqui, a qual associa tal estética oficial à política de estado, caracterizando o corpo daquilo que deleuze-guattari chamarão de ciência régia;

contudo e portanto, não se entende que tais instâncias se dêem separadamente, visto que procuramos justamente demonstrar tal indiscernibilidade no corpo de nosso texto para além desta justificativa;

animismo de estado

hoje, o animismo é de novo imputado aos selvagens, mas desta vez ele é largamente proclamado como reconhecimento verdadeiro, ou ao menos 'válido', da mestiçagem universal entre sujeitos e objetos, humanos e não-humanos, a que nó moderno sempre estivemos cegos, por conta de nosso hábito tolo, para não dizer pecaminoso, de pensar por dicotomias; da húbris moderna, salvem-nos assim os híbridos primitivos e pós-modernos;

(viveiros de castro, perpectivismo ameríndio, 2002: 370-1)

trata-se de uma inversão de valor do animismo, que continua sendo o mesmo animismo narcisista d'antes;

ainda se trata do outro, não há aqui a dobra em que eu me aproprio desse pensamento, por isso não passa de demagogia de curto alcance, ou de política de estado que investe na dinâmica da dependência pacífica, enquanto o pensamento selvagem fornece o projeto das máquinas de guerra, que nos possibilita um ataque frontal e maciço ao conservador pensamento de estado;

portanto, reformular o animismo, temperado com diferença e contra-objetivismo (leia-se subjetivação, processos de subjetivação) em lugar das identidades obsessivas da ordem social estatal e do mercado de subjetividades, consiste em afrontar nosso modo de pensar, nossos pressupostos, os valores que pressupõem nosso conhecimento, sobretudo nossa política de subjetividades, que deverá encarar o comércio de subjetividades de nossas políticas públicas, a liquidação das minorias;

o que pode haver de selvagem na diferença deverá ser domado pelas políticas públicas e o poder de estado vai ensiná-los direitinho a se burocratizar, como os ensinou a crer em deus e depois na alfabetização, na escrita e na educação e assim enquadramos todos em nossa guerra sem mortos, guerra etnocida em que todos podem sobreviver para louvar o valor supremo da vida;

entre totemismo e animismo

duas antinomias, portanto, que são de fato uma só: ou os ameríndios são etnocentricamente avaros na extensão do conceito de humanidade, e opõem totemicamente natureza e cultura, ou eles são cosmocêntricos e anímicos, e não professam tal distinção, sendo mesmo modelo de tolerância relativista, ao admitir a multiplicidade de pontos de vista sobre o mundo; em suma: fechamento sobre si, ou 'abertura ao outro'?


o totemismo de lévi-strauss e, daí, do pensamento selvagem, visto que este não faz senão aprofundar, segundo o autor, a tese do texto seminal, consiste na hipótese segundo a qual o selvagens fazem do totemismo uma instituição cultural que os separa da natureza;

sua intenção com tal afirmação é atestar a universalidade da distinção entre natureza e cultura com o fim de demonstrar uma universalidade da cultura própria ao humano;

o totemismo como instituição cultural e social afirma a distinção cognitiva entre o homem e a natureza;

enfim, os selvagens são humanos pois se separam, como nós, da natureza;

do totemismo ao animismo

trata-se de distinguir-se do etnocentrismo substancialista que sustenta o totemismo, pois a circunscrição autoreferencial dos selvagens (como seus etnônimos) é meramente diferencial, não se refere a uma distinção natural como em nosso divisor;

trata-se de uma diferença perspectiva ou de um marcador enunciativo e não de uma concepção substantivista;

dessa forma, seu etnocentrismo, o etnocentrismo selvagem se 'inverte', visto que aponta para a tal cosmosocialidade do perspectivismo, para a virtualidade de um jogo (xamânico) de posições;

o perspectivismo é assim uma arte das enunciações, inspirada, talvez, na enunciabilidade xamanística do cantos araweté, bem como soprada da antropologia xamanística de clastres;

a gente, os queixadas...

portanto, não se trata do construcionismo clássico, assentado sobre o grande divisor cartesiano e/ou sobre o sujeito transcendental kantiano;

consiste num jogo com outras (e/ou novas) regras;


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