21 janeiro 2008

a exterioridade da máquina de guerra
clastres não só duvida que o estado seja o produto de um desenvolvimento econômico determinável, mas indaga se as sociedades primitivas não teriam a preocupação potencial de conjurar e prevenir esse monstro que supostamente não compreendem;
conjurar a formação de um aparelho de estado, tornar impossível uma tal formação, tal seria o objeto de um certo número de mecanismos sociais primitivos, ainda que deles não se tenha uma consciência clara; sem dúvida, as sociedades primitivas possuem chefes;
mas o estado não se define pela existência de chefes, e sim pela perpetuação ou conservação de órgãos de poder; a preocupação do estado é conservar;
portanto, são necessárias instituições especiais para que um chefe possa tornar-se homem de estado, porém requer-se não menos mecanismos coletivos difusos para impedir que isso ocorra;
os mecanismos conjuratórios ou preventivos fazem parte da chefia, e a impedem que se cristalize num aparelho distinto do próprio corpo social;
clastres descreve essa situação do chefe cuja única arma instituída é seu prestígio, cujo único meio é a persuasão, cuja única regra é o pressentimento dos desejos do grupo: o chefe assemelha-se mais a um líder ou a uma vedete do que a um homem de poder, e corre sempre o risco de ser renegado, abandonado pelos seus;
e mais: clastres considera que, nas sociedades primitivas, a guerra é o mecanismo mais seguro contra a formação do estado: é que a guerra mantém a dispersão e a segmentaridade dos grupos, e o guerreiro é ele mesmo tomado num processo de acumulação de suas façanhas que o conduz a uma solidão e a uma morte prestigiosas, porém sem poder10;
clastres pode então invocar o direito natural revertendo sua proposição principal: assim como hobbes viu nitidamente que o estado existia contra a guerra, a guerra existe contra o estado, e o torna impossível;
disto não se conclui que a guerra seja um estado de natureza, mas, ao contrário, que ela é o modo de um estado social que conjura e impede a formação do estado;
a guerra primitiva não produz o estado, tampouco dele deriva;
e assim como ela não se explica pelo estado, tampouco se explica pela troca: longe de derivar da troca, mesmo para sancionar seu fracasso, a guerra é aquilo que limita as trocas, que as mantém no marco das "alianças", que as impede de tornar-se um fator de estado ou fazer com que os grupos se fusionem;

10 pierre clastres, la sociétc contre l'etat, ed. de minuit; "archéologie dela violence" e "malhenr du guerrier sauvage", in lible I e II, payot; neste último texto, clastres faz o retrato do destino do guerreiro na sociedade primitiva, e analisa o mecanismo que impede a concentração de poder (do mesmo modo, mauss havia mostrado que o potlatch é um mecanismo que impede a concentração de riqueza);

(deleuze-guattari, 1000 platôs, tratado de nomadologia: a máquina de guerra)



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