animismo de estado 2
subjetivações: da política da cidade à política da floresta
uma política das subjetivações não é uma política das subjetividades;
essa condiz com o multiculturalismo (enquanto política pública), com uma política de estado que pressupõe formas subjetivas que sustentam seus valores e suas cidadanias (ou florestanias, dado que o problema está no -anias, ou seja, na política de estado);
aquela (política de subjetivações) se constitui contra-estado, dinamitando suas regularidades, a racionalidade de seus programas;
ela escapa a esse racionalismo, ao programático e ao burocrático;
ela se dá como movimentos que escapam ao controle do estado e não como políticas de estado;
o que ela tem contra o estado? pode perguntar o intelectual de estado em mim ou em você;
é a essa própria perspectiva de estado que ela escapa;
por mais que pareça que o estado se abre para a diferença e a arte, está sempre domando o selvagem, instaurando sedentarismo;
o ecologismo do estado consiste numa contradição de termos;
se o seu sentido é o de proliferar perspectivas, criar pontos de vista fora e contra-estado etc, portanto, é descabido pensar obsessivamente em sua integração no projeto, sua unificação nesse horizonte homogêneo, em sua redução a esse grande olho do estado cuja função é neutralizar quaisquer outras perspectivas;
o estado reproduz estado, e o seu projeto de inclusão consiste num grande programa de aglutinação de pontos de vista diferenciais que passam a compor esse mesmo, tendo neutralizadas suas diferenças que consistem justamente na heterogeneidade de seus pontos de vista;
a aliança das minorias com o estado se restringe à ilusão substantivista, pois o estado reduz tudo ao mesmo, à voz média, ou seja, à maioria (lembrando sempre que minoria e maioria não se opõem simplesmente de maneira quantitativa, que maioria implica uma constante...);
tomar subjetivações por subjetividades pode ser confundir, (ou pior, apropriar-se do) perspectivismo (para confundi-lo intencionalmente) com animismo narcisista (produção exclusiva de nosso olhar etnocêntrico a partir de nosso grande divisor e suas respectivas substancializações);
o que se chama de política da floresta, operador de contraste a uma política urbana, a partir das diversas e simples oposições que se pode estabelecer, tais como: sedentarismo x nomadismo, sistemas de aprendizagem oficial x não-oficial (lembrando que cada categoria traz seus valores e as projeções desses), aglomeração x dispersão etc;
esse exercício de imaginação política não consiste num programa de estado (governo), talvez esteja mais para um anti-programa, um manifesto (imaginário e não assinado), algo que não pode passar de especulação, da inquietação de mentes inconformadas com a recente imprescindibilidade do estado nesse contexto e o conformismo que a acompanha;
no mínimo, serve para pensar, pensar numa chave diversa da chave dos intelectuais de estado que rodeiam as questões aqui em pauta;
no contexto em questão, ou seja, vida nas florestas do alto juruá, região lendária em que ocorrem os pegas que darão origem à primeira reserva extrativista do estado brasileiro para iniciar um tal exercício,
uma política de resistência ao estado se justifica como o mínimo que se pode imaginar, em termos de 'projeto comunitário', a partir do processo de subjetivação que definirá, ou melhor, com que se definirão * esses grupos, então declarados condenados à extinção pela mesma política de estado que agora o absorve;
nesse meio tempo (entre condenação à extinção e atual absorção pelo estado): empates, diferenciação e afirmação cultural, questionamento do desenvolvimentismo consensual, guerrilha comunicacional contra a imprensa oficial etc definiram tal processo de subjetivação;
(*) nota: destaca-se aqui os processos de subjetivação como construções geridas pelos próprios coletivos, mecanismos de resistência a integrações identitárias em grupos envolventes de maiorias difusas;
dado que os processos de subjetivação se caracterizarão aqui por autopoiesis, por construção coletiva, em contraste com as políticas subjetivas para produção dos estados-nação, processo de produção de subjetividades longamente descrito pela sociologia*;
os milton são um grupo significativo para fundamentar essa caracterização do processos de subjetivação: protagonistas na criação da primeira reserva extrativista, hoje promovem a reconstrução de sua etnicidade, sua etnicização kuntanawa;
(*)afinal, a unidade do estado é efetivada enquanto subjetividade na cultura, processo menos natural que cultural, ou seja, resultado de uma produção que visou fundamentar a 'idéia nacional', via valores sociais colocados no mercado pelo estado;
nietzsche se refere ao espírito gregário ou espírito de rebanho;
essa política de resistência pode projetar uma linha de fuga para estender o projeto da ecologia para além das garras da política ambientalista de estado, que tomou para si o projeto de autonomia das comunidades da floresta (reservas extrativistas) fazendo delas a fachada para a exploração madeireira coordenada oficialmente pelos planos de manejo do estado (ibama), visto que hoje quase todas as reservas extrativistas que se constituem no acre visam o negócio do manejo madeireiro;
essa política urbana para as comunidades florestais consiste na política de estado, com os valores e o programa que a caracterizam;
do pensamento selvagem às sociedades contra-estado
a universalidade da distinção cultural entre natureza e cultura atestava a universalidade da cultura como natureza do humano;
(viveiros de castro, 2002:169)
o totem serviria, portanto, à distinção natureza/cultura;
essa foi mais uma forma de integrar os selvagens a nossa humanidade;
o horizonte portanto é mais o da identidade que o da diferença;
buscar a racionalidade (o que o pensamento guarda de estado) do pensamento selvagem;
lévi-strauss procurava estreitar, como assume em textos como raça e história, as relações entre nós e os selvagens;
não parece tirar proveito da diferença, colocá-la como seu horizonte último;
sua política por vezes é uma política integracionista de estado;
de outro lado, a concepção de socialidades contra-estado deve tomar o pensamento selvagem como pretexto para a constituição de uma ciência nômade;
nesse contexto, o pensamento selvagem não serve enquanto ciência régia às políticas públicas de estado;
serve para afrontar essa ciência régia, fornecendo elementos que a contradigam, que construam outras referências;
essas socialidades contra-estado resultam em dispositivos sociais que sustentam sua diferença em relação ao estado;
tais socialidades se constituem assim de processos de subjetivação que não se permitem tornarem em identidades a serem absorvidas por política públicas;
enquanto o pensamento selvagem trabalha no horizonte da identidade, as socialidades contra-estado operam na dinâmica operacional da diferença irredutível, na exterioridade em relação ao estado;
a diferença que nutre as máquinas de guerra (seja como socialidade contra-estado, seja como pensamento da socialidade contra-estado) apropria-se do pensamento selvagem a sua maneira e não para atestar humanidades;
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