(clastres, a sociedade contra o estado)
já cheguei à distinção (um tanto dogmática?!!!) de clastres entre sociedades com estado e sociedades contra estado, o que (se deve converter) se converte aqui em antropologia de estado e antropologia contra-estado;
passo então a estabelecer regularidades e, a partir delas, contraposições entre tais antropologias;
entre essas regularidades, destaco a propriedade de relativização ante à homogeneização cultural que caracteriza o contexto de ocidentalização que dá origem à antropologia;
de um lado, o que se tem é um processo de uniformização cultural representado pelo estado e seu aparato legal, sua origem religiosa, suas instituições de normalização social, suas academias e seus intelectuais de estado;
de outro, um pensamento que afirma a diferença, que por muito tempo reproduziu o movimento programado pelo estado até entrar em contato com as margens da sociedade, do sentido, e daí passar a emanar um outro conhecimento, catalisado por outros poderes;
é daí que, sem dúvida, se afirma a genealogia da moral como livro original da antropologia;
uma voz vindo de outra direção, uma voz dissonante entre os valores ocidentais, uma análise impetuosa da configuração psicológica do homem ocidental ao colocar o problema dos valores em meio a um universo positivista de produção de conhecimento, saber comprometido com o poder vigente e estabelecido, saber conservador;
esse saber que se configura na forja artificiosa do poder que o determina e redefine uma imagem naturalizada do conhecimento, tem em seu horizonte uma outra imagem do homem e do conhecimento;
genealogia da moral: não como livro, categoria que deixa de fazer sentido na obra do autor, e sim como procedimento de criação em antropologia;
procedimento pautado na diferença, na dissonância, em meio a um conhecimento voltado à conformação, à identidade;
esse procedimento criativo se caracteriza pelo posicionamento (mais perspectivo que relativista) da genealogia, que consiste em um devir que tende a escapar sempre, a desconstruir numa espécie de anti-positivismo dinamicista, qualquer centralidade discursiva, toda homogeneização subjetiva, cada consenso valorativo;
um perspectivismo de estado fundamenta-se nesse recorte unicizante e homogeneista de um coro das coisas, um positivo coro dos contentes, parlamento sem oposições ou de oposições neutralizadas;
conduzido pelo modelo de gestão da reserva (fadado ao fracasso desde o início), a representação legal dos moradores tem conhecido fracassos reafirmados a cada eleição (os quais as mentalidades óbvias dos intelectuais de estado atribuem a seus desafetos pessoais, esterilizando assim a questão que poderia ser problematizada a partir daí) no decorrer dos seus anos de existência e atuação;
o outro lado dessa descrença em relação à representação legal dos moradores na forma de associação consiste nessas duas iniciativas, nesses dois processos que quero alinhar: trata-se dos kuntanáua, por um lado, e o centro yorenka ãtame de outro;
o alinhamento aleatório desses dois fenômenos pode se dar a partir do cruzamento desses grupos, sua participação no contexto em que se origina a reserva, da aliança entre índios e seringueiros que marca esse contexto;
no entanto, o que nos interessa em tais processos é seu caráter diferencial;
cada qual investe a sua maneira sobre a diferença;
o centro yorenka ãtame na forma de produção de conhecimento, no reconhecimento de tecnologias e saberes constituídos, produzidos na floresta que geram riqueza e são autônomos, independentes da forma acadêmica de pesquisar;
o kuntanáua afirmando ao lado de um histórico combativo de extrativistas seringueiros, dos quais chegaram constituir modelo cientificamente estudado e comprovado, escapando ao fado e levando ao pé da letra o vaticínio segundo o qual, no brasil, somos todos índios, exceto quem não é;
pois é, de família típica, os milton passam a exceção (ou nem tanto, a partir da fórmula citada), ou melhor, afirmam sua diferença, sua porção de diferença;
por outro lado, o que se faz na reserva nos últimos anos, como uma atitude típica e generalizável daquele antigo seringueiro, é afirmar a porção branca;
afirmar a porção indígena de um lado, afirmar a porção branca de outro: o que quer dizer isso, qual o alcance dessa colocação...;
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