21 janeiro 2008

abordemos pois a questão do político nas sociedades primitivas; (...) a extrema diversidade dos tipos de organização social, a abundância, no tempo e no espaço, de sociedades dessemelhantes, não impedem entretanto a possibilidade de uma ordem na descontinuidade, a possibilidade de uma redução dessa multiplicidade infinita de diferenças; redução maciça, uma vez que a história só nos oferece, de fato, dois tipos de sociedade absolutamente irredutíveis um ao outro, duas macroclasses, cada uma das quais reúne em si sociedades que, além de suas diferenças, têm em comum alguma coisa de fundamental; existem por um lado as sociedades primitivas, ou sociedades sem estado; e, por outro lado, as sociedades com estado;
(clastres, a sociedade contra o estado)

já cheguei à distinção (um tanto dogmática?!!!) de clastres entre sociedades com estado e sociedades contra estado, o que (se deve converter) se converte aqui em antropologia de estado e antropologia contra-estado;
passo então a estabelecer regularidades e, a partir delas, contraposições entre tais antropologias;
entre essas regularidades, destaco a propriedade de relativização ante à homogeneização cultural que caracteriza o contexto de ocidentalização que dá origem à antropologia;
de um lado, o que se tem é um processo de uniformização cultural representado pelo estado e seu aparato legal, sua origem religiosa, suas instituições de normalização social, suas academias e seus intelectuais de estado;
de outro, um pensamento que afirma a diferença, que por muito tempo reproduziu o movimento programado pelo estado até entrar em contato com as margens da sociedade, do sentido, e daí passar a emanar um outro conhecimento, catalisado por outros poderes;

é daí que, sem dúvida, se afirma a genealogia da moral como livro original da antropologia;
uma voz vindo de outra direção, uma voz dissonante entre os valores ocidentais, uma análise impetuosa da configuração psicológica do homem ocidental ao colocar o problema dos valores em meio a um universo positivista de produção de conhecimento, saber comprometido com o poder vigente e estabelecido, saber conservador;
esse saber que se configura na forja artificiosa do poder que o determina e redefine uma imagem naturalizada do conhecimento, tem em seu horizonte uma outra imagem do homem e do conhecimento;

genealogia da moral: não como livro, categoria que deixa de fazer sentido na obra do autor, e sim como procedimento de criação em antropologia;
procedimento pautado na diferença, na dissonância, em meio a um conhecimento voltado à conformação, à identidade;
esse procedimento criativo se caracteriza pelo posicionamento (mais perspectivo que relativista) da genealogia, que consiste em um devir que tende a escapar sempre, a desconstruir numa espécie de anti-positivismo dinamicista, qualquer centralidade discursiva, toda homogeneização subjetiva, cada consenso valorativo;
um perspectivismo de estado fundamenta-se nesse recorte unicizante e homogeneista de um coro das coisas, um positivo coro dos contentes, parlamento sem oposições ou de oposições neutralizadas;

conduzido pelo modelo de gestão da reserva (fadado ao fracasso desde o início), a representação legal dos moradores tem conhecido fracassos reafirmados a cada eleição (os quais as mentalidades óbvias dos intelectuais de estado atribuem a seus desafetos pessoais, esterilizando assim a questão que poderia ser problematizada a partir daí) no decorrer dos seus anos de existência e atuação;
o outro lado dessa descrença em relação à representação legal dos moradores na forma de associação consiste nessas duas iniciativas, nesses dois processos que quero alinhar: trata-se dos kuntanáua, por um lado, e o centro yorenka ãtame de outro;
o alinhamento aleatório desses dois fenômenos pode se dar a partir do cruzamento desses grupos, sua participação no contexto em que se origina a reserva, da aliança entre índios e seringueiros que marca esse contexto;
no entanto, o que nos interessa em tais processos é seu caráter diferencial;
cada qual investe a sua maneira sobre a diferença;
o centro yorenka ãtame na forma de produção de conhecimento, no reconhecimento de tecnologias e saberes constituídos, produzidos na floresta que geram riqueza e são autônomos, independentes da forma acadêmica de pesquisar;
o kuntanáua afirmando ao lado de um histórico combativo de extrativistas seringueiros, dos quais chegaram constituir modelo cientificamente estudado e comprovado, escapando ao fado e levando ao pé da letra o vaticínio segundo o qual, no brasil, somos todos índios, exceto quem não é;
pois é, de família típica, os milton passam a exceção (ou nem tanto, a partir da fórmula citada), ou melhor, afirmam sua diferença, sua porção de diferença;
por outro lado, o que se faz na reserva nos últimos anos, como uma atitude típica e generalizável daquele antigo seringueiro, é afirmar a porção branca;
afirmar a porção indígena de um lado, afirmar a porção branca de outro: o que quer dizer isso, qual o alcance dessa colocação...;



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