26 outubro 2007


minha ascendência é a literatura universal;
minha graduação em letras treinou-me minimamente a reparar melhor no canto dos passos, seu compasso, sua lírica;
como ainda distinguia mundo real e ficcional, com uma intuição de que algo cheirava mal nisso que é chamado de realidade, procurei a menos (e mais) positiva das formações;

agora, numa forma particular de sabitude, sei que a única realidade é a ficcional ou, pelo menos, que a realidade existe, enquanto ficção, enfim, que na fusão das duas, a dimensão que se dissipou foi aquela suposta realidade que sustenta os consensos, que jazeria suspensa e transcendente aquém do mundo dos sentidos, que sustentaria o mundo dos sentidos que deslizariam sem afeta-la ou buscando encaixar-se nela;

um mundo selvagem não se deixa amansar e procria falsificações, virtuais que seguem corrompendo as identidades ideais em que nos apoiamos;

a literatura que já me atraia era aquela que revela o mundo em construção, o mundo suspenso, em cisão, aquela que rompe a unidade do mundo na quebra de subjetividades experimentais que o autor vive como se vivesse personagens, como um ator incorpora devires;


descobri na literatura antropológica alguns varadouros que rumavam a outros lugares;
que escapavam ao largo à descrição de um suposto mundo pré-concebido na mente divina;
que abria possibilidades de experimentação sobre realidades imaginárias;
trabalhar com mundos possíveis em lugar da (ou enquanto) descrição de nossas subjetividades sociais, para essa tarefa, mesmo para suas etnografias, que primam pelo realismo, a literatura possuía recursos inesgotáveis, um instrumental infindável;

muito se distinguiu de si mesma a antropologia, desde o momento em que a filosofia, sua irmã maior, tomou para si a tarefa de desmontar o substrato transcendental denominado natureza, e a colocou no universo dos sentidos em que o mundo se configura a partir dela, em que o mundo é projetado como produção de sentido, em que os valores da consciência são relativizados (genealogia), em que o sujeito é desnaturalizado e dessubstancializado, passando a se constituir em subjetivações;

tem sido assim que tenho descoberto a minha literatura, uma literatura entranhada na epistemologia e na filosofia, pois tem seu cerne na produção se realidades sociais;
no entanto, a qualidade dessa literatura consiste em seu embasamento etnográfico, na apropriação de produções de socialidades coletivas e daí, à desconstrução de nossos pressupostos e consensos;

a consideração da dimensão representacional, consideração que coloca paralelos dimensão significante e dimensão significada, distinguindo estratos na significação, que emparelha duas séries em que não se correspondem mais perfeitamente abre outros rizomas;

uma psicologia, pois a produção de conhecimento possui pressupostos na concepção de homem (consciência e vontade);
do papai-mamãe ao coletivo, de kant a hegel, muito muda;
no entanto, kant já traz o problema da consciência na produção de realidade, e hegel retorna a (com) uma noção de consciência objetiva;

a história se configura então a partir dos valores da consciência;
o que se tem então é um reforço da dimensão histórico-transcendental na consideração epistemológica;
a história é talhada à imagem de uma grande consciência coletiva, que se projeta sobre/reflete sem problemas a (suposta) realidade;
no entanto, kant já problematiza em algumas fissuras de sua barragem, no auge de seu moralismo e ainda que indiretamente, os valores da consciência;

problematizar o conhecimento, o sujeito do conhecimento, sujeito ideal de um conhecimento ideal;
o sujeito do conhecimento é pura consciência, isento de vontades que o singularizam, o homem universal que visa o conhecimento eterno, desp(rov)ido de sua efemeridade, conhecimento ideal pois projetado idealmente numa idealidade, numa physis transcendental;

em “compensação” essa idealidade procria sua parte maldita, tudo que afirma positivamente (ou seja, apoiado na realidade transcendental segundo esse esquema de idealidade) se desdobra no campo de valores “negativo”;
o desprezo do efêmero e do imanente projetam toda uma forma própria do conhecimento, todo um devir determinando as subjetivações;

quando chega a aurora, anuncia-se o pensamento do futuro, que rompe com o que o passado insiste em perdurar, com o que quer conservar, com o que se move na dinâmica da vontade de vida;
instala-se o espírito de uma vontade de potência, pautada antes no desejo que usa, que na consciência que conserva;
o eterno retorno rompe essa vontade de passado que produziu a consciência e um mundo a partir dos valores da consciência;

o desejo me impele ao futuro, a consciência me volta para o passado;
os valores de cada qual produzirão subjetivações diversas, a partir das quais se produzirão saberes diversos;

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