15 outubro 2007

devires: por uma antropologia do futuro
a antropologia e os kontanawa
todos vivemos em constante processo de etnogênese;
o processo de etnogênese é uma prática generalizada, que não se restringe aos índios que passaram por contatos mais intensos com os dispositivos homogeneizantes do ocidentalismo;
o próprio ocidentalismo não consiste numa substância, ainda que sua auto-concepção seja marcada por um regime sígnico que assim o/se imagina (máquina abstrata);
esse alinhamento/enquadramento que o ocidentalismo faz das culturas, com, por exemplo, a invenção dos 'indígenas', multiplicidade de grupos do continente alinhados pela não-ocidentalidade, consiste na primeiro dispositivo de homogeneização;
esse primeiro dispositivo de homogeneização, os 'índios' ou a indigenização dos nativos, parece definir a própria antropologia, sua prática e sua perspectiva;
a antropologia, ao trabalhar sobre a diferença, ou com as minorias, toma como sua área de abrangência os não-ocidentais, ou melhor, o não-ocidentalismo;
assim, a antropologia consiste na criação/constituição e constante atualização do outro ocidental;
outro ocidental que se desdobra no outro ocidental em nós mesmos, a partir do padrão, da perspectiva padrão instaurada pela/a partir da relação de forças;
portanto, é por aí, pela desmontagem do padrão que também operarão as máquinas de guerra, justamente sobre os (desajustamento criativo dos) processos de atualização do hegemônico;

a antropologia opera essa produção de diferença e, concomitante, resulta dela como produto;
essa diferença contra-ocidental pressupõe a antropologia, está gravada em sua gênese, como denuncia seu discurso;
a busca por padrões que enquadrem essa multiplicidade consiste numa disposição que define o caráter do pensamento antropológico;
esse dilema da antropologia lembra uma crítica de viveiros de castro à deleuze-guattari do anti-édipo, segundo a qual, a própria disposição em direção ao grande divisor cultura/natureza (anti-édipo) pressuporia o édipo;

(em suspenso: aqui persiste o problema dos limites da antropologia ou os limites da diferença, que encaminharíamos à distinção entre o extensivo e o intensivo;)
no mais, os kontanawa parecem constituir uma dimensão que, por mais que seja a mesma, diferencia-se de outros processos de transformação indígenas;
por inverterem em certa medida esse processo de transformação abrem horizonte e disponibilizam dispositivos próprios a outra(s) antropologia(s);

os kontanawa e a antropologia
tais pensamentos me vêm da operação kontanawa sobre os processos de subjetivação étnicos;
parece-me que os kontanawa precisam ser mais índios que os outros índios;
diferente das outras etnias, eles não tem à mão a tentação de substantivar sua cultura, recurso próprio do mercado ocidentalista de políticas públicas de etnia (e etnização), fruto de outro mercado, o das políticas sociais sobre os direitos indígenas;

eles fazem a diferença no interior, ou melhor, no plano de outra diferença, diferença essa, no caso, com uma identidade formada: a dos não-ocidentais;

portanto, os kontanawa consistem (e representam (tanto para ocidentais, como o estado ou os demais regionais, como para os próprios indígenas, ou não-ocidentais se resolvermos encaixar desse lado também os outros extrativistas)) enquanto constituem essa zona etnicamente indefinida ou indiscernível, numa máquina de guerra;
se as máquinas de guerra não podem consistir, correndo o risco de serem incorporadas pelo estado, eles apresentam diversas marcas que podem definir máquinas de guerra, eles funcionam como uma;
certo que o estado sabe o duplo risco em que consistem, primeiro por tratar-se do ressurgimento de uma etnia e não de um segmento, e a partir de um grupo já considerado 'amansado', e ainda por colocar sob suspeita a primeira reserva extrativista criada, a primeira de uma série que marcam a política ambiental pós-abertura democrática;

se definimos (teoricamente) que a antropologia e os antropólogos definem, constituem ou mesmo criam os (grupos) indígenas em contextos diversos*, gostaria de levar essa idéia a um limite e pensar na seguinte virtualidade/possibilidade;
se os próprios kontanawa (entenda-se aqui a acepção num sentido lato) se constituíram enquanto grupo indígena superando inclusive um grande divisor, o 'amansamento', gostarei de pensá-los como antropólogos (também em sentido lato, ou melhor, no sentido strito supra definido) de si mesmos, por terem se constituído numa diferença em relação à ocidentalidade à qual jaziam integrados (e que se atente aqui para o simbólico de sua integração ao grupo de seringueiros da reserva);

*o caso do acre é paradigmático devido ao ressurgimento étnico de diversas aldeias e etnias que haviam sido devoradas pela máquina seringalista, que os havia transformado em caboclos, dimensão intermediária entre esse mundo, mundo dos brancos, e os outros, indígenas, da qual teriam sido resgatados, ou melhor tirados da barriga da máquina, segundo a história acreana, pelo antropólogo terri aquino, que nos conta que há 30 anos atrás não havia (oficialmente) índio no acre, que era um estado considerado então limpo pela máquina seringalista;

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