30 outubro 2007

alguém que nunca teve um vício, que nunca conheceu os abismos por onde pode nos conduzir o desejo, o desejo desmedido, a hybris, não se conhece;
aquele que só se refletiu a si nos espelhos da consciência e viu a imagem conformada de si, não se conhece, não vislumbrou de si sequer a sombra;

no entanto, o vício não se explica pela justa medida;
o vício é a forma de contatar a intensidade do desejo, de se ver nos limites de se apagar em desejo, de ser o puro desejo, não o desejo realizado, mas o desejo realizante;
o vício consiste numa incursão também positiva, pois que possibilita dar a compreender o desejo, as operações do desejo;
a forma da consciência configurar o desejo, por vezes amaldiçoando-o, não é a mesma forma do desejo conceber a consciência;

a consciência constitui uma dimensão da subjetividade;
essa configuração que a consciência faz do desejo para constituir a subjetividade está baseada nos valores da consciência;
a imagem que a consciência faz do desejo consiste na instintividade desenfreada, na animalidade, que deverá refreada pela razão, pela justa medida da temperança;

são valores a consciência (toda uma moralidade da consciência) a pautar a consideração sobre o desejo;
o pressuposto aí consiste na consideração - ou na valorização - de que a consciência identifica-se à natureza humana, de que a consciência é o que faz o homem, o distingue da natureza;
o desejo não tem valor aqui por operar justamente a ligação por perpetuar a sutura homem/natureza, por consistir naquilo que mantém o homem na condição de animal (máquina desejante);
o valor pressuposto aqui consiste - além da separação/distinção - na valorização positiva da humanidade em relação ao estigma colocado sobre a natureza;
a consciência racional consistiria no lugar mítico em que se deu a ruptura entre a natureza e a sociedade/ humanidade;
o mito da razão opera essa cisão do caótico natural da instintividade à ordem social contratada conscientemente;
a consciência é responsável pela ordem, o desejo pelo caos: eis o que prevê o contrato em sua moralidade;
esse imperativo social também ordenará a polis (e a política) do conhecimento;

ao decifrar o livro da natureza a razão 'descobre' uma ordem pré-existente ao pensamento, uma ordem que pode ser definida como a própria origem natural do pensamento, da razão, da lógica;

o que se vê é um longo percurso de valorações até se chegar à nossa concepção de verdade;
em nossa verdade a consciência representa um mundo pré-existente num plano exterior à consciência, a consciência se define pela passiva percepção de um mundo pré-definido pelas valorações adequadas;
trazer a valoração e o desejo para a desconstrução desse mundo pré-definido pelos valores da consciência, eis a tarefa;


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