06 setembro 2007



duas pelo sete de setembro

para quem ainda tivesse qualquer dúvida – afinal o discurso ecológico era uma mercadoria de primeira na ordem capitalista e em seu mercado global emergente – a aliança dos povos da floresta esclareceu: as reservas extrativistas eram máquinas de guerra;
como máquina de guerra, propunha-se passar do sistema patronal e coronelesco da exploração predatória direto para um outro imaginado (por quem? pelos seus idealizadores, pelos seringueiros politizados!) da sustentabilidade anti-capitalista;
e foi justamente aí que se deu o conflito (se houve conflito) a partir do qual o governo ou estado, no caso do baixo acre, tomou de assalto o projeto das mãos dos ex-seringueiros com sua proposta de manejo madeireiro;
aí: onde a máquina de guerra pôde se confundir com o discurso ecológico;
um produto aqueceu a economia global no final dos oitenta: o discurso ecológico;
esse produto caracterizou a emergência de um mercado de discursos que será uma das maiores indústrias do novo milênio com a internet e seus novos paradigmas comunicacionais;
além disso, modelou toda uma política de caráter neoliberal voltada para o terceiro setor;
nas décadas seguintes, esse discurso ecológico iria movimentar milhões de dólares e ludibriar o discurso politicamente (e ecologicamente) correto que se tornaria um produto igualmente poderoso no mercado de discursos;
esse discurso ecológico era o outro à espreita da máquina de guerra, criou-a e a devorou;
talvez a máquina de guerra nunca tenha existido, ainda que muitos a tenham vislumbrado, e esteve sempre sob controle;
pingo geralmente se refere a como ficou pasmo com a fragilidade da direita diante do movimento atrapalhado da esquerda e suas conquistas;
a fragilidade do movimento popular e seringueiro resultou em monstros que a direita sozinha não criaria;
ainda hoje, encontram-se resquícios da concepção que sustentava o discurso da suposta máquina de guerra (que foi engolida pelo ecologismo);
o que me chama a atenção nesse discurso é algo que já não faz sentido mas continua a se afirmar;
trata-se do imperativo moral que fundamenta o discurso, imperativo moral que leva à confusão dessa máquina de guerra e conduz seus construtores a se unirem com o antípoda da máquina que construíram, imaginando-o decerto muito diferente do patrão que tinham;
em seu discurso tudo deve ser, tem que ser, é o certo, é a lei etc... gritam em sua impotência, tudo sempre advindo de um poder externo;

nesse sentido, ainda que usemos nosso aparato moral e nosso jornalismo policialesco marrom para amaldiçoar orleirzinho, pois o narcotráfico na base, principalmente onde a moral de estado não impera, é uma economia como outra qualquer, desprovida desse caráter bestial que só nosso moralismo provinciano é capaz de produzir, pode-se pensar que o presidente vitalício da asareaje manteve-se fiel ao seu projeto anti-estatal/anti-governamental;
o que pode ser confirmado inclusive pelo conformismo em torno de sua prisão, pelo silêncio, ou melhor, pela falta de indignação moral e estatal das pessoas aqui no juruá;

***

até em respeito à tradição, tradição essa que não precisam conhecer ou mesmo já conhecem sem saber, muito de nossos lentes universitários acredita, desmedida, tratando de assuntos científicos, na força da convicção;
credita-se a isso uma série de fatores que vão desde a posição que os referidos lentes são convocados a serem guardiões, são os guardiões das ciências e das letras, pela sociedade, uma espécie de tradição, até (para manter a velha ordem social/individual) ao modelo de subjetividade com que forjam suas personalidades a partir das suas experiências com o conhecimento, com o social etc...
a dúvida não é uma prática comum em nossos professadores, a verdade sim;
essa verdade é sobre o que quero falar, pois há algo nela que não me permite ficar muito tempo em suas palestras, o que me resta debater sozinho aqui;
o ponto para mim, e constato isso passando o olho em minhas anotações sobre o pouco que pude ouvi-los, é o moralismo a que eles se permitem nessas terras que julgam recém civilizadas, ou melhor, em processo de civilização no qual, aliás eles cumprem seu protagonismo;
que verdade moral trazem esses civilizadores aos selvagens?
geralmente os vejo falando sobre o respeito à diversidade, tema fácil promovido pelo governo da pseudo-diversidade, igualdade para usar seu termo, a qual deveria ser respeitada, segundo eles;
um dia vi um estudante mandar esta: mas sairia muito caro implementar esses dispositivos de garantia da diversidade, não teria qualquer retorno;
o professor estarrecido, talvez por que, depois de horas de fala, pensava ter convencido a todos, mas já o primeiro a falar mostrava que não;
é uma pena que tenha poucos argumentos para arrolar sobre esses moralistas, pois não tenho estômago para ouvi-los por mais de poucos minutos, ainda mais quando começam com seu catecismo de deveres;
no entanto, me propus a escrever sobre sua concepção moral de verdade ou da verdade moral;
lembro de passagem que no brasil da ordem e do progresso foi o único lugar que vingou a religião positivista com direito a igreja, altar e santa;
e quando debatíamos isso na sala da pós em ciências políticas ainda comentei ironicamente, só podia ser mesmo no Brasil..., ao que uma das professoras respondeu, ...que gosta tanto de religião..., ao que eu cortei, ...que gosta tanto do positivismo...
retorno à nossa concepção moral da verdade...
traçando uma caricatura grotesca de genealogia, remeto-os aos princípios humanistas do iluminismo, sob o qual disfarçam seu moralismo religioso;
o humanismo racionalista é o dogma da religião científica;
é sobre ele que estão assentados os princípios desses missionários da ciência positiva que deve esquadrinhar e explicar o mundo segundo a tradição das subdivisões aristotélicas;
é em nome da missão socrática da democracia racional, melhor seria república racional, que atuam nossos cavaleiros da fé;
a missão é católica, ou seja, universal;
como na outra religião, é certo encontrar nessa outra mitologia um povo ou um grupo de escolhidos;
o dogma consiste em que o que nos reduz é a razão;
o espírito, que define o ser humano, é uno com a razão, a mesma essência, e a sua cruzada consiste em construir um mundo igualitário a partir dos princípios racionais;
a máquina de convencer deixa de ser a velha e tradicional violência do sistema de crueldade e passa a ser a razão, para a qual todos deverão ser, por lei, democraticamente treinados;
o instrumento da razão é a escrita, a escrita é instituída como mídia universal;
mídia essa que se define por ser a mídia das leis, das leges, das leituras, da materialização e onipresença da ordem (atente-se à polissemia da palavra) e da violência do proto-estado;
o nomadismo da voz passa a ser inscrito na pele para se gravar e fixar na memória e no espaço;


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