06 agosto 2007

universidade da floresta 1


um novo intercessor entrou hoje em interlocução comigo;

o convite de marcos para uma simples palestra na universidade da floresta abriu minha interlocução com um intercessor com quem venho há tempos me preparando para encarar;

afinal esse é um dos princípios do construtivismo (pelo menos quero coloca-lo assim): que se determine o discurso, que o discurso seja determinado (não apenas por quem fala, princípio do velho relativismo que ainda nos prende nos pressupostos do objetivismo) pelo interlocutor, a quem se fala;

é certo que falo tão somente à quem estiver lendo ou ouvindo este discurso, no entanto, ele se dirige a um interlocutor específico, um terceiro, um intercessor que o outro deste diálogo;

esse interlocutor é a universidade da floresta que me convocou, que convocou o meu trabalho para o diálogo, o debate, para uma exposição;

escolhi um tema dentre os que dispunha;

falarei de um tema que já foi tratado demais, um tema que eu diria surrado, mas que se justifica por ser tão bom voltar nos velhos temas;

em meu percurso, como de qualquer outro, como cientista há momentos decisivos, escolhas e pessoas decisivas;

logo no início de minhas pesquisas em campo percebi, com uma ajudinha dos três grupos de pesquisa com que trabalhava, mais dos guarani, que não poderia ficar atado ao discurso pedagógico oficial sobre a educação escolar indígena;

percebi que o que esse discurso queria domar, eu pensava em liberar, em ativar, impulsionar;

percebi que a linguagem e as condições desse discurso o faziam cativo de seus pressupostos, que ele falava em fazer algo enquanto negociava em condições historicamente determinadas que faziam dele um produto de marketing político num contexto barbaramente desigual, por fim, via a maçã envenenada dos judeus;

esse é o resumo grosseiro de como mudei minha perspectiva de pesquisa e passei a procurar um outro ponto de vista;

essa mudança conduziu-me, entre outras coisas, a priorizar, nesse processo de formação pelo qual passava, o conhecimento ocidental em detrimento do indígena;

para estudar o conhecimento indígena me parecia mais importante estudar o conhecimento ocidental, o conhecimento (com) que pretendia conhecer o outro;

antes de estudar, ou enquanto estudava, características como oralidade, mitologia, xamanismo, corporalidade, fazia uma viagem à matriz do pensamento ocidental: seus princípios, pressupostos, sua genealogia, seus tabus, suas profanações, seus dogmas, seus heróis e seus hereges;

muitos companheiros de pesquisa não entendiam a proporção que a teoria do conhecimento e a bibliografia filosófica iam ganhando na pesquisa;

perdi diversos companheiros de trabalho ao longo da pesquisa, quando fui reconstituindo o corpo de interlocutores, adaptado à ousada bibliografia;

ouvi piadinhas e tive a pesquisa desconsiderada por pessoas com quem trabalhei por anos;

o mais amargo era que eles batiam em minhas costas e me olhavam com um olhar de pobre coitado, enlouqueceu...

não acreditavam que o conhecimento pudesse ser novo, que se podia criar em um campo tão vasto, que se podia inventar os caminhos a serem trilhados num plano que não se determinava nem pedia respostas prontas;

essa é a herança do saber positivo: dinâmica das sucessões políticas que, como o conhecimento, se dá evolutivamente;

pois essa é a idéia de uma verdade transcendente que devemos descobrir: aquele que fizer o lobby, descobriu a verdade, que geralmente é a confirmação de alguma hipótese de seu orientador ou chefe de departamento;

das características que definem a ciência ocidental selecionei aquela que tem sido a mais trabalhada pela antropologia brasileira dos últimos anos, até por seu rendimento, a objetividade;

a objetividade nos coloca num circuito propício, com ela entende-se aspectos:

· da matriz do conhecimento ocidental, da filosofia grega ao iluminismo e positivismo,

· de nosso discurso sobre a natureza e o homem,

· da gênese da ciência,

· do marco epistemológico na filosofia ocidental,

· da antropologia e seu ponto de inflexão, o pensamento selvagem;

a crítica da objetividade nos permite desmontar o arsenal positivista, ou melhor, analisar como a antropologia encontra no positivismo um impasse que a desafia a viabilizar-se ou perecer na primeira infância;

o próprio positivismo se define pela positividade, pela correlação direta entre discurso e realidade, pressupondo para tanto uma certa distinção dessas dimensões;

a pressuposição que baseia o positivismo é uma compatibilidade entre discurso racional e racionalidade dos fenômenos que se dão à explicação;

o discurso positivista mantém latente ou ocultada a natureza dessas dimensões, em que a natureza da linguagem ou a da realidade não é colocada em questão, sendo ambas sustentadas sobre o princípio da representação, dessa relação harmônica entre discurso verbal e referentes;

no entanto, quanto mais se afirma positivamente a realidade, mais esta insiste em escapar, em exigir novas atualizações;

o realismo cientificista na literatura e nas artes se depara com esse problema, o mistério do real que escapa ao pretensioso realismo e é bem definido pelo discreto impressionismo ou pelos narradores irônicos da literatura que construirão a modernidade a partir das ruínas do realismo objetivista;

colocar em questão essa harmonia entre tais dimensões, levantando inclusive suas conseqüências (ou causas) políticas é tarefa do pensamento no século vinte;

pensar em que condições o sentido faz sentido, o que constitui um campo de sentido, o que constitui fundo à forma do sentido;

o conhecimento como violência...


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