23 julho 2007

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compreender a palavra e compreender o silêncio


quando comecei a estudar a cultura indígena junto aos indígenas (não me
iniciei na antropologia via academia e livros, sou um antropólogo amador – antropólogo amador??? não acho não, amilton; vc até pode ter sido, dá até um charme na sua iniciação, mas não é mais não, e já tem um tempo; inclusive a pós-graduação vc já tem; iniciar-se pela “academia e livros” parece ser menos nobre do que “estudar a cultura indígena junto aos indígenas”; acho isso meio bobo, e não necessariamente opostos, vide clastres e outros que vc tanto admira)
topei com uma série de tabus, de interditos, que logo percebi e tomei como
a forma de um conhecimento e não, etnocentricamente, como empecilhos ao
conhecimento;
uma das coisas que percebi era uma inadequação entre minha estrutura
sensível, moldada por minha cultura, comportamento e valores e o regime de
sentido com que tomava contato junto aos guarani;
algo que, de início, já se me exigiu colocar em dúvida foi a obsessão com
que tomava contato com o conhecimento através da palavra, da fala, das
referências verbais;
mais claro: como o regime lógico, racional, verbal-explicativo,
intermediava e determinava a minha concepção de conhecimento e meu contato
com ele;
nesse universo aprendi o poder da palavra e o poder do silêncio;
coloquei-me a estudar essa obsessão pela palavra, pela referência
objetiva, pela explicação positiva que configuram, para nós, a face da
verdade; muito bacana este mote inicial que te moveu, e te move; desloca um monte de coisas, e abre tantas outras, tantas outras antropologias, talvez uma até mais silenciosa, com outros recursos discursivos (é assim que se fala?) – o que é interessante também (não sei se paradoxal) é o quanto, entre nós, não paramos de falar e usar as palavras para nos fazer entender...
não era simples afirmar que a aprendizagem indígena se dá por meio do
canto, da dança, do silêncio... isso parecia simplesmente tomar por
verdade o misticismo indígena;
no entanto, esse relativismo raso era só meu ponto de partida, minha
intenção era desmonta-lo, não afirma-lo;
a revolução que me impunha, que impunha à minha configuração do mundo,
acompanharia a revolução que esse outro conhecimento, o indígena, propunha
ao meu saber, ao saber acadêmico, com sua forma da verdade, com suas
universalidades, com sua história e sua política, com seu discurso;
o problema é que os critérios para possíveis definições de conhecimento
que possuía e podia imaginar tinham como referência esse meu saber, com
suas generalidades, seus universalismos, seus padrões, suas lógicas,
razões, verdades, histórias; uau, isso é que é impasse! tem um suspense na narrativa que faz prender o ar até o próximo parágrafo (ou email)...
assim, o primeiro problema era buscar, recortar ou inventar os critérios
do conhecimento guarani: há um saber, há uma escola, há uma pedagogia...?
como pensar a dança, a música, a mística, a política... ?
era um trabalho de construção de referências, no qual não acreditava ser
possível de um conhecimento guarani desembaraçado do meu saber acadêmico (não era possível anular-se por inteiro, é isso? então tem a busca da, digamos, ciência guarani, do modo guarani de dar sentido ao mundo e de transmitir este sentido, mas tem o amilton que veio da academia, que tem esta auto-consciência... como estar dentro e fora (da ciência guarani e acadêmica)?
no qual buscava absorver a influência do pensamento guarani através das
diversas experiências que ia vivendo, das viagens às conversas e pessoas
que conhecia... “absorver a influência do pensamento guarani...” sobre vc.

de fato, levi-strauss já provara que os índios pensavam, isso não
precisava ser feito, já ousara traçar aspectos do pensamento selvagem,
analisando e propondo inicialmente o pensamento a partir do mito, dos
contos;
essa proposta lhe chegou da tradição antropológica francesa, que tem em
mauss o seu marco;
essa tradição encontra na antropologia o limite do positivismo e do
universo histórico-transcendental do século dezenove;
esse limite se constitui com a abertura da antropologia a outros regimes
de valor, não resistindo também o positivismo ao problema epistemológico
sistematizado por mauss em sua concepção de categorias nativas;
a partir daí, o panorama ocidental passa a ruir para si mesmo, a medida
que se impõe cada vez mais ostensivo para os povos e nações colonizados;
a antropologia coloca para a teoria do conhecimento um problema diverso de
qualquer outro: do seio da matriz da homogeneidade, constitui-se uma
disciplina da diferença;
essa diferença não se mantém no movimento de redução do pensamento
selvagem, ela cria referências de conhecimento e verdade bastante diversas
das referências da matriz;
esses pensamentos outros que passam a proliferar na antropologia,
modificando suas referências positivas constituem-se num processo de
virtualização do pensamento;o que vc quer dizer com virtualização? potencialização do pensamento noutras direções?
se a referência positiva de verdade consiste na objetividade a partir de
uma lógica da identidade, o virtual opera com as referências do
construtivismo; vc fala muito desse construtivismo, mas para mim não é muito claro; bom, remete imediatamente a uma idéia de algo que não está pronto, ou dado; fui ao popular aurélio (no dicionário de ciências sociais não há nada) e encontrei coisas como “estilo não figurativo que se desenvolveu no princípio do século XX entre os artistas soviéticos e se caracteriza pela disposição rigidamente formal do espaço, das massas e dos volumes, e pela utilização de materiais e técnicas industriais modernas (plásticos, vidros, etc.) – aqui para artes plásticas”, ou “teoria que propõe que o conhecimento resulta da interação de uma inteligência sensório-motora com o ambiente.” (aqui para psicologia); e “estilo moderno de cenografia e encenação caracterizado pela utilização de estruturas tridimensionais (praticáveis, escadas, andaimes, etc.) expressivamente simplificadas, por meio das quais se objetiva a abstração e a estilização, opondo-se, assim, ao ilusionismo realista;” (aqui para o teatro); bom, gostei desta última, que afirma uma oposição a uma realidade na verdade ilusória, e tem uma coisa de estética, de arte (“tudo é arte”...); como é isso, amilton?
o virtual redefine a metafísica que sustenta a ciência positiva ocidental
(e mesmo a história, dado que descobrir é o verbo que define nossa
história); tô sentindo um cheiro de foucault e nietzsche no ar...
lidar com outro pensamento ou com a possibilidade de pensamentos outros
resulta, por si só, na circunscrição do universalismo ocidental e de seus
pressupostos metafísicos;

levi-strauss constrói uma antropologia inspirada nos mitos, ou melhor,
tomando os mitos como seu princípio organizador;
é dessa forma que o mestre estruturalista passa de sua teorização do
pensamento selvagem para o problema epistemológico, a influência desse
pensamento selvagem na antropologia, disciplina fronteiriça e, por isso, a
mais afetada por essa diferença, problema com que a antropologia se
debatia há tempos;

olá, essa é a parte final, vai com um presente para os professores... no
anexo...é o ponto de partida desse texto...a professora agradece, e vai usar o texto... na última aula, diante do impasse “estamos sendo engolidos pelo capitalismo”, vimos o “v de vingança”...


a forma como se dá essa outra relação com a palavra, com o discurso
(categoria pouco compreendida – palavra e discurso não são a mesma coisa, certo? por que vc coloca uma atrás da outra aqui?) seria o ponto de partida pois deveria
iniciar problematizando o olhar/discurso com que eu via (ou melhor, a
minha cultura via através de mim) esse outro e seu modo de “ver” (fazer,
criar, viver etc) o mundo;
estava na academia e o caminho que tomei foi explicar para esses meus
amigos guarani o que era a academia e o que era esse conhecimento herdado
e modificado há tantas gerações, há tantas civilizações;
minha intenção era exorcizar o universalismo típico do colonialismo
próprio a dessa ciência e da cultura em que ela é gerada;
para isso, portanto, eu inverti o jogo e, perigosamente, fiz uma aliança
com os guarani: ao invés de explicar à academia o que era o conhecimento
guarani analisado segundo uma ou outra escola, uma ou outra teoria de
prestígio, optei por colocar esses saberes em conflito, por colocar seus
princípios em relação;
para tato, iniciei “tentando” explicar para os guarani, ainda que os meus
interlocutores guarani, ainda que os virtuais leitores guarani de minha
literatura;
como procurava dialogar com os indígenas sobre o conhecimento ocidental,
aquele do discurso da educação escolar indígena, de que eles propunham
instrumentalizar-se na medida certa, medida que não ameaçasse suas
culturas, mas lhes permitisse dominar recursos da sociedade ocidental;

essa alternativa que busquei foi a saída política que tinha à mão, saída
que converge tanto num problema epistemológico, quanto num problema de
linguagem, o que nos interessa aqui;
estava produzindo, como parte de minha vivência, que sempre foi o produto
principal em que mantinha minha atenção, concomitantemente um produto de
linguagem, uma reflexão teórica que resultava de/em meu processo de
formação;

foi só quando comecei a fazer parte do problema que passei a me dar conta
dele;
percebi inicialmente, ou melhor, de cara, que o que se escrevia entrava no
mesmo circuito daquilo contra o que se escrevia;
descobria o óbvio: a antropologia é um instrumento civilizador;
quis entender isso, como afirmar uma coisa poderia ter-lhe um efeito
contrário/negativo: como as empresas que trabalham a favor da preservação
da natureza podem ser parte do próprio sistema que condena cronicamente
esse mesmo ecossistema;

no way out... a que isso leva? essas afirmações meio mega correm o risco, parece-me, de não considerar as inúmeras mediações que há entre o local e o global; o que está na esfera do global não necessariamente se reproduz como tal localmente; não nego o processão que tem em volta, mas ficar preso nele, impressionado por ele, submetido a ele... a que isso leva? sei não, para mim também são dúvidas, pois não nego que toda esta nossa big civilização me assusta e impressiona;

não conseguindo escapar ao nosso positivismo narcísico, ao nosso ímpeto de
explicar definitivamente a realidade (disso se pode fugir, ou seja, da construção de verdades; e não se trata só de dizer que o conhecimento está sempre se superando, como diz weber, por ex; talvez a fuga tenha que ser mais radical ainda, e se deva afirmar que não se está explicando nada... mas se está o que, afinal?... este meu positivismo me pega mesmo! socorro...) acredito ter encontrado no silêncio, na dimensão silenciosa da aprendizagem indígena, uma linha de fuga para
esse pensamento e essa linguagem que se tornaram presa do mercado de
signos, onde os signos perderam suas referências e só tem valor de troca;
mas como vc transmite pra nós isso? como compartilha esta linha de fuga? ficando em silêncio? não entendi; bom, isto é uma provocação: quero saber mais! ah, sim, sempre resta o tango argentino... alguém sabe dançar tango?



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