04 janeiro 2007

passo a problematizar agora uma distinção fundamental de nosso pensamento: a distinção entre natureza e cultura;
tal distinção funciona como pressuposto em grande parte das considerações em antropologia, epistemologia e mesmo em educação lato sensu;
penso aqui em natureza como campo do fato e do dado e cultura como espaço do feito e do fabricado;
a partir daí, certas colocações memoráveis vêm à mente;
lembro, por ora, do problema colocado por isaac pianko numa fala sua, sobre a noção de pobreza e do modo que essa noção levou ruína tantos indígenas que acreditaram na concepção de riqueza do branco, que não conseguiram se libertar dessa palavra e de seu pesado fardo;
ele dizia mesmo de poder se libertar da carga pesada que resta sobre essa noção e do prejuízo que ela traz não só para indígenas, como para outras culturas;
e se perguntava: o que é pobreza? questão a que propunha como resposta ser a falta da terra para os ashaninka e seus parentes, já que a riqueza para eles está na terra com suas belezas, seus animai, suas pedras, suas árvores, seus rios, seus remédios, seu prazer, seu alimento;
pois a riqueza para o branco é bastante pobre por não dar conta dessa diversidade proporcionada pela vida do homem indígena;

bem conceitualmente o que nos interessa desse debate é a questão dessa fronteira entre cultura e natureza;
tal fronteira remonta ao pensamento grego, mais especificamente ao pensamento de aristóteles, com sua definição e distinção entre necessário e contingente;
entenda-se esfera do humano – ou do não-natural, considerando a polarização humano/natural ou cultura/natureza – como lugar do feito e do fabricado, e esfera do não-humano – ou do natural – como espaço do dado, do fato;

assim, os brancos não associariam a pobreza à cultura, para eles é uma questão de natureza, visto que a definem como a falta de bens necessários, tais como alimentação, moradia, enfim bens materiais;
penso que ao se retirar esse conceito do espaço em que ele funciona tão bem para submeter os quais submete a não verem a riqueza da vida, a se manterem escravos do assistencialismo, esse instalado por meio da violência e do autoritarismo que caracterizam essa sociedade, a, enfim, não lutarem por sua autonomia;
ao se retirar, portanto, tal conceito de sua obviedade, de seu campo de ação e analisa-lo de outra perspectiva, ele se deixa ver em sua dimensão cultural;
deixa a naturalidade com que o revestimos para assumir sua propriedade de criação histórica e sua função social;
há muito indústrias da seca e da fome já revelaram esse processo de naturalização de processos de produção de miséria, os quais definem inclusive perfis na cultura brasileira;
o que no interessa aqui é pontuar a utilização política de processos naturais como a seca ou a fome para revestir criações sociais, produtos de nossa empresa humana demasiado humana;

Visitor Map
Create your own visitor map!