29 janeiro 2007

a antropologia não se constitui, diferente do que normalmente se pensa, quando o homem ocidental passa a estudar rigorosamente as outras culturas;
a antropologia se constitui a partir do momento que se concebe modelos de produção de conhecimento para além do nosso, trocando em miúdos, quando passamos a nos estudar com a visão de mundo do outro;
portanto, a antropologia consiste no exercício do estranhamento sobre o que normalmente se pensa em nossa sociedade;
consiste numa prática de distanciamento do etnocentrismo, tão caro ás nossas posições colonialistas, que reveste de poder político a verdade do que normalmente se pensa;

a contribuição de um olhar antropológico sobre um processo em que se trabalha com conhecimentos tradicionais, inicia-se com a construção da concepção de conhecimentos tradicionais;
atenta-se para que ela seja sempre uma construção, ainda que com suas diversas dimensões, uma construção;
esse exercício será importante para que não se cristalize uma noção de conhecimento tradicional vinculada estritamente ao passado, mas que se pense no conhecimento tradicional como instância mediadora do contato com a sociedade ocidental;
a função do conhecimento tradicional não se restringe, assim, às dimensões da comunidade, ele se reveste de uma função reprodutora de subjetividades, indo além, inclusive, da afirmação de identidades;
o mercado global tem boa aceitação de subjetividades indígenas, especialmente em relação aos seus saberes, por tanto tempo ignorados por não se reconhecer seu valor comercial;
temas como o xamanismo e a sustentabilidade e toda uma gama de linguagens (grafismos, roupas, música, escrita, etc) têm ganhado o mercado global muitas vezes com versões pouco convincentes de sua ligação com fontes diretas às culturas e aos conhecimentos tradicionais;
o reconhecimento legal e a inserção desses sistemas de subjetivação no mercado global constituem marcos das nova formas de se lidar com os conhecimentos tradicionais a serem elaborados agora;
portanto, a concepção de que tais instrumentos jurídicos e políticos visam preservar ou conservar essas culturas baseia-se numa noção de cultura estática;
tais instrumentos criam uma noção de cultura tradicional nas comunidades a qual não deve ser projetada para dentro da cultura, de forma a procurar identificar nossa concepção de conhecimentos tradicionais com suas instituições milenares;
esse conceito de conhecimento tradicional que é um instrumento jurídico, político e comercial/econômico está aí para ser projetado sobre a zona de contato entre índios e brancos;
a gestão desses supostos conhecimentos tradicionais talvez seja a parte mais importante na prática de suas garantias legais contra a expropriação de seus recursos simbólicos ou naturais;
não se confunde assim o que normalmente se pensa por conhecimentos tradicionais com o que de fato é ou deve ser: um instrumento político (jurídico, econômico etc) constituído em nossa sociedade para cumprir funções próprias à nossa sociedade ou à relação dos povos indígenas com a nossa sociedade e seu mercado;

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