10 outubro 2006

29_09
princípio de uma genealogia das concepções de natureza e cultura na antropologia da amazônia contemporânea
[1]

enfatizando o valor cognitivo e simbólico daquelas dimensões materiais estudadas pelos ecologistas culturais de um ponto de vista adaptativo – relação com os animais, origem das plantas cultivadas, dieta, tecnologia –, lévi-strauss deslocou para o interior das cosmologias ameríndias a macro-oposição conceitual entre natureza e cultura que subjazia às teorias deterministas dos herdeiros de steward;
(viveiros de castro, 2002:322)

a concepção da antropologia pelo estruturalismo

a intenção deste escrito é definir a especificidade da contribuição teórica do estruturalismo reinventado por lévi-strauss em sua abordagem da antropologia amazônica;
essa contribuição que vem sendo formulada metodologicamente desde as estruturas, avança em antropologia estrutural sobre o aspecto simbólico ao abordar temas como a linguagem, as artes, os mitos e, principalmente, o xamanismo;
daí a pensamento selvagem é o período de formulação das propostas arquitetadas então;
em pensamento selvagem já se desloca no território antes apenas referido, ainda que já recriado (xamanismo);
pensamento selvagem reformula novamente, como cada uma das obras do autor, seus princípios metodológicos, definindo seu instrumental construtivista que possibilitava uma conversão do olhar sobre os princípios empíricos e empiristas que ainda imperavam nas primeiras tentativas de antropologia;
concomitante e possibilitada por essa redefinição metodológica (forma), o autor investe na transubstanciação do seu material de trabalho (conteúdo), os referentes do empirismo tornam-se em modelos para o estruturalismo;
a deliciosa lógica do concreto narra as peripécias desse processo de redefinição epistemológica no vai e vem entre ciência e magia, entre modelo natural e modelo simbólico, entre objeto descrito e descrição do objeto, em que a intenção do autor é deslocar forma e fundo, descrever as miragens do empirismo e seu procedimento hipotético-indutivo, descrevendo, assim, as armadilhas em que essa abordagem resultava;
para isso é que o autor lança mão de um recurso incompreendido na lógica empirista: criar dois personagens conceituais – o bricoleur e o engenheiro – que funcionam como enunciadores, como figuras de retórica – ou de retórico –, que lhe servem para construir a imagem desses dois discursos que estão sendo contrapostos pelo estruturalismo não apenas como recurso discursivo, próprio a essa concepção de ciência, mas como um outro paradigma, um modelo de ciência diverso daquele cultivado pela tradição desde o racionalismo antigo;
refiro-me que tal recurso seria próprio a essa concepção construtivista de ciência, pois tal concepção tem por característica a apropriação de seu processo de construção e sua inserção na própria narrativa (análise), diluindo, assim, a fronteira, antes tão bem marcada, que distinguia objetivamente procedimento empregado de resultado obtido, visto que aquele devia ser neutro para alcançar invariabilidade deste;
na construção do construtivismo, no bricolage, a autoridade já não é a da tradição, legada pelo objeto descrito objetivamente – processo do qual, inclusive, o empirista extraia sua própria autoridade, visto que falava, de forma quase mística, a linguagem das coisas via laboratório;
aqui, a linguagem opera uma dobra sobre si mesma – e não sobre uma natureza reconstruída artificialmente em laboratório, ainda que objetiva –, o que possibilita um tratamento diverso do material;

dobra: a política discursiva
essa dobra sobre a linguagem redefine o tão pautado problema político, de fato, ainda hoje, um problema para a antropologia, mais ainda com o revival marxístico dos colonialismos e pós-colonialismos que voltam a excluir a dimensão da ordem do discurso, fazendo-nos ter a impressão que precisamos retomar os ares do século dezenove para acompanha-los, ou melhor ressuscitar o cachorro morto do positivismo para chuta-lo;
lembre-se que a antropologia, aliás, todo o estruturalismo, foi considerado, e ainda o é por aqueles que se negam a abandonar os tais ares revolucionários do século dezenove, um pensamento alienado, desprovido de engajamento, que essa coisa de discurso seria um preciosismo, coisas de intelectual, ciência pela ciência, etc;
no entanto, é nos termos das estratégias de discurso que se pode desconstruir o discurso herdado pela antropologia, principalmente pela etnologia, desconstruir seu modelo metodológico, processo em que das próprias ruínas resulta um viés epistemológico outro, desconstruir seu empirismo via construtivismo, desconstruir seu positivismo via estruturalismo;
não me refiro ao etnocentrismo pois não tenho intenção de sair dele, visto que o campo conceitual e analítico em que me desloco não é outro que o do nosso olhar;
desloco-me no problema discursivo colocado por essa antropologia ao analisar a linguagem utilizada pela ciência, ao circunscrever o limites estreitos que a ciência empirista que origina as ciências humanas lhe estabeleceu;
a circunscrição desse limite foi levada a cabo pelo estruturalismo, com sua redefinição das possibilidades narrativas das ciências humanas, com a redefinição de seu material de trabalho;
essa operação que permite às ciências humanas circunscrever o universalismo e o objetivismo de seu discurso, de sua perspectiva, possibilita igualmente redefinir seu plano de imanência, redefinir o limites e a especificidade de seu conhecimento;
colocado em perspectiva, esse sujeito do conhecimento ocidental reduziu-se de todo discurso a um discurso hegemônico;
essa operação possibilitou então um mapeamento das dimensões em que o político ou o poder, digamos assim, se desdobra no texto, estabelece províncias discursivas na superfície do texto;
deve-se, em parte, tal mapeamento ou diagramação a michel foucault, pelo menos, é a tal trabalho que o autor se dedica em sua obra;
é dessa abordagem, que projeta o problema político para os recursos discursivos constituintes do texto, que a antropologia simétrica colhe seus frutos;

as mitológicas
cotoveladas a parte, voltemos a lévi-strauss: se em pensamento selvagem a experiência era trazer o pensamento selvagem para desconstruir e redefinir o modelo metodológico das ciências humanas via etnologia, ainda com material analítico pertencendo predominantemente à abordagem epistemológica, nas mitológicas a experiência transpõe o limite que ainda a separava de diluir-se no pensamento selvagem;
se o pensamento selvagem define o instrumental, as antropológicas são sua aplicação;
os mitos não tem autores ou forma definitiva, acabada, não constituem obra provida de individualidade e seu conjunto pertence à ordem do discurso;
ao colocar-se em contato com tal material e absorver suas características no processo de construção de seu texto;
indubitavelmente refém do instrumental conceitual da epistéme tradicional, do modelo de construção conhecimento com que pretende romper, conforme análise de derrida – uma outra possibilidade seria que os conceitos apesar de continuarem pertencendo à tradição, sofreriam uma transubstanciação ao serem projetados no âmbito de tais cosmologias –, o autor arrisca investir numa mito-lógica que é mito-mórfica, ou seja, uma bricolagem etnográfica que assume sua função mitopoética;

conclusão
conciliar a tradição, via conceitos e procedimentos, e simultaneamente romper com a tradição passa a ser o dilema dos autores do século vinte;
impasse colocado por foucault como o de uma ruptura com o século dezenove, pode ser o impasse que remonte ao pensamento grego, que, segundo alguns (deleuze e guattari), teria sido despistado por nietzsche em sua redefinição do plano de imanência, da imagem do pensamento da filosofia platônica via pensamento trágico;
[1] segunda versão de texto originalmente destinado ao núcleo de antropologia ambiental da ufac, coordenado pela profa. dra. mariana pantoja;

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