06 setembro 2006

vidarte
o objetivo é conduzir uma leitura que proporcione abordar problemas comuns às artes visuais e à antropologia visando utilizar-se, a partir daí, do instrumental teórico e técnico-prático (metodológico) da pesquisa em antropologia visual;

levar à compreensão de que a prática reflexiva em artes exige um embasamento metodológico próprio, o qual está no cerne dos problemas da filosofia contemporânea;

remetodologizando
parte considerável dos antropólogos e humanistas contemporâneos considera as mitológicas como a grande contribuição de lévi-strauss aos estruturalismo, e este como a grande contribuição da antropologia ao pensamento ocidental;
muitos dos instrumentos utilizados atualmente na área têm origem a partir das contribuições dessa escola;
a antropologia visual é uma dentre os seus tributários;
ao longo de sua obra, lévi-strauss aperfeiçoa sua máquina metodológica até sua experiência mais ousada: tomar o mito como experiência formal na proposta de uma metodologia própria às ciências humanas;
os limites entre forma e conteúdo, mito e método, referente e referência, ciência e poesia, oral e escrito, verbo e vida, encontram novas dimensões;
o mito é uma forma que se autodefine, uma experiência de poiesis definida pelo material que a vida disponibiliza ao bricoleur;
não mais a teoria do bricolage – pensamento selvagem [1972] – pois sua prática exige a dobra sobre a forma, exige que leve às últimas conseqüências a experiência formal;
o método é uma forma que se torna conteúdo na mão do autor durante o seu período metateórico de mestre estruturalista;
ao desdobrá-lo, tornando-o forma novamente – nunca deixou de sê-lo – é imperativo dar o passo adiante e arrematar a profecia;
lá está: o que define esta hermenêutica é a natureza do mito, mito tornado categoria;
o mito conduz de outra forma a organização do conhecimento, propõe outra imagem do saber, é a vazante para um outro universo, para o qual o nosso manual/referencial newtoniano e cartesiano deve ser reformulado;


um dos problemas, diria o problema central, sobre que a antropologia se debruçou no séc. XX foi a questão a imagem do conhecimento ocidental;
de onde advém essa imagem, como se constitui, o que garante, quais são as suas funções;
ao se debruçar sobre este problema, coloca em questão a imagem tradicional do conhecimento, criticando sua constituição no mesmo movimento em que propõe e constitui sua transubstanciação;
como criticar a tradição que a forjou, que criou para ela as condições de possibilidade: dilema edípico;
o nódulo do problema se concentra na representação, na forma com a qual a linguagem se propõe recriar o mundo, a relação entre forma e conteúdo, referência e referente, linguagem e mundo;

o que chamamos de dobra é a volta da forma sobre si, momento em que o referente tem seu domínio suspenso e a expressão se deixa ver pura forma;
essa consciência formal desabrocha na arte ocidental moderna;
é el greco que lévi-strauss evoca
[1] para exemplificar como a construção de uma normalidade define a própria anormalidade, o outro, o exótico, o histérico e, no caso, o selvagem;
algo mais interessante que citar pintores ou autores, seria pensar o seguinte paradoxo: do mais íntimo e profundo realismo emerge as mais arrebatadoras experiências formais;
é assim que da arte clássica irrompam os monstros barrocos, do neoclassicismo para o trágico romantismo com sua arte da existência, do realismo fim de século irrompam as vanguardas;

quando a linguagem toma consciência de si, sua relação, antes servil, com a realidade nunca mais será a mesma;
e nem sempre ela causará estardalhaço; pode ser que essa dobra seja tão sutil que beire um realismo, mas que o vá corroendo por dentro até vê-lo desmanchar
[2];


será que num mundo em que predomina o imperialismo violento, as conquistas humanistas do construtivismo deverão ser extintas; será que o poder tecnológico no qual investimos nosso próprio futuro servirá para acentuar ainda mais o antigo monopólio oligárquico do quarto poder; será que quando se chegou à fórmula, paga por todas as classes com mais ou menos suor, de uma possível abertura dos meios e uso das linguagens, o projeto será abortado por mais uma ditadura;
o poder subversivo e revolucionário da poiesis, da arte, da construção de mundos é atestado pela imagem monocêntrica, monológica, monoteísta que o homem ocidental constrói de si para si;
o pensamento da diversidade, que propõe recortes estranhos à realidade política, social, econômica composta por nossas elites, não encontra meios para se veicular, não encontra vias horizontais num campo em que todas as linhas convergem para a verticalidade;
arte e antropologia são campos distintos, é certo; no entanto há linhas que cruzam tais campos, atravessam de um a outro perpassam-nos;
nietzsche com seu estilo dinamita as fronteiras que distinguem os discursos – genealogia da moral, o grande livro da etnologia – instaura a reviravolta da linguagem que ainda nos espanta;
linguagem e vida: linguagem é vida – uma vida;
bachelard articula tais linhas em sua poética, vê na poiesis o ponto de articulação, as zonas de indiscernibilidade;
foucault articulou tais campos redefinindo a representação a partir da concepção do enunciado, categoria que perpassa transversalmente esses espaços homogêneos;
tais pensadores propõe uma imagem do pensamento que acompanhe a arte, a poesia que caminha disparada, visionária;
a dobra, aqui, seria essa linha que perpassa e costura a arte desde suas remotas não origens, ao se problematizar a representação;
a natureza trágica da arte pode ser a responsável pela facilidade e leveza com que esta conduz a percepção a abrir mão da ordem da verossimilhança;

enquanto a religião e a política oficial operam com a unificação, com a homogeneização da percepção, a arte visa o delírio e a loucura que consiste na criação de formas e principalmente, de percepção;
enquanto trágica, portanto, a arte é profana, pois visa dessacralizar a percepção, os valores que dirigem os costumes;
a nossa imagem, a imagem brasileira do pecado, do outro, do o... e de toda sua corja, imagem que perdurará em nosso imaginário, em nossa cultura é a dos deuses de nossos antepassados, chamados também de pagãos;
com a constituição e efetivação do mercado mundial, tais elementos passaram de ameaça que eram a objeto de consumo;
da mesma forma que não se podia dispensar o mercado de escravos para escravizar gratuitamente os indígenas, não podemos dispensar o consumo desses artefatos da mística crioula, ainda que, mais do que nunca, continuemos formando nosso exército de evangélicos para o mercado de trabalho;
por mais escravizados que os católicos aceitassem ser, eles degeneravam em beatos, eles acabavam criando dicotomias, o que não ocorre com o novo exército;

a imagem do sujeito que sustenta a imagem do conhecimento tradicional, modelado pela objetividade e a neutralidade positivistas, será o alvo alvejado; por isso, talvez, esse encontro decisivo de lévi-strauss com a psicanálise;
a imagem do homem define sua imagem do conhecimento e vice-versa;

a crítica de foucault, segundo a qual a representação, a forma da linguagem, prioriza, ou mesmo, se restringe ao referente, ocultando o processo formal e promovendo a alienação/inconsciência discursiva, conduz, como conseqüência, inclusive, da inspiração nietzschiana, ao que se denominará morte do homem;
a morte dessa estrutura psicológica não se restringe à abolição do autor, figura psicológica que assombra com seus fantasmas a autonomia e a singularidade dos textos;
a abolição dessa estrutura psicológica estende-se mesmo a todo seu alcance sobre a imagem do conhecimento que construímos a partir dela;
uma idealização de natureza similar se estenderia tanto sobre a imagem do homem ocidental, que traz em seu bojo a contra imagem do não-homem não-ocidental, como sobre sua imagem do conhecimento com sua capa de pressupostos;
o ponto de inflexão encontrado na constituição de filosofias foi o problema da metafísica, problema central para se tratar a imanência e uma filosofia da implicação;
o problema da metafísica desdobra-se no problema da representação;
assim como o homem se teria separado, distinguido da natureza, através da cultura, essa mesma cultura se voltaria de novo sobre a natureza em busca de um modelo que a decifre, modelo este híbrido de natureza e cultura;

[1] totemismo hoje [19..], col. os pensadores;
[2] o espelho, machado de assis; o artista da fome, franz kafka; bartleby, herman melville; jorge luis borges; clarice lispector; guimarães rosa;

Visitor Map
Create your own visitor map!