12 setembro 2006

vida e dor
o amadurecimento do pensamento em uma determinada disciplina possibilita o aprofundamento nas questões referentes aos problemas aí tratados;
após apenas dois semestres ministrando ética, sinto que algumas das concepções que me tinham a função de esteio vão pouco a pouco sendo estraçalhadas;
o problema é que se mantivermos certa ‘generosidade’ com o leitor’ como me dizia um meu professor, nos colocamos diante de um difícil problema epistêmico, mais ainda nesta disciplina;
e fato é que tempo passa e continua passando e a química ética se mistura com a antropológica e o que sai é um material um tanto inflamável;
a viagem intelectual que alguns de nós se empenham em escalar em temporadas invernais, de nos despir dos valores morais e olharmos nossa produção de conhecimento e seus desdobramentos e conseqüências, com olhos rigorosos e até cruéis, operam transformações em nossas constituições que depois será difícil de se acostumar novamente no galinheiro;
o conjunto de pressupostos que dão sentido aos nossos discursos estão impregnados de valores morais;felicidade e prazer entre outros;
temos no pensamento grego a afirmação da consciência, a consciência como ponto de partida, como pressuposto fundamental da consciência;
em genealogia da moral, nietzsche nos propõe tomarmos a dor como ponto de partida na constituição da consciência;
esse autor problematiza assim a consciência, não como algo divino ou natural, e sim como uma criação humana, um produto social;
seria a dor que possibilita a criação de um campo sensível, a constituição de uma memória, o estabelecimento de um padrão, de uma obediência;
o homem, de animal imprevisível, é ferrado e condicionado pela dor à constituição de uma cons-ciência, dividindo assim um conjunto de valores, um código de costumes;
a pele é marcada com a lei, a dor é a tinta com que se imprime essa superfície;

com a constituição da consciência o homem se volta ao sistema que o possibilitou desenvolver-se, suprimindo a dor, por um lado, ou marginalizando-a e colocando uma camada da sociedade para servir dela;
é interessante ver a repulsa com que olhamos o sacrifício de uma criança em uma sociedade primitiva e a boa consciência com que submetemos milhares de crianças à fome, ao frio, à violência, à morte miserável;
não se admite a dor como parte do processo de aprendizagem; a dor é elemento fundamental da aprendizagem;
o sentido supremo das relações de consumo do sistema econômico nos coloca o prazer hedonista e usurário como medida para o padrão dos sentimentos que guiam o desempenho humano;
no entanto, não é possível querer aprender como quem compra roupas, comida ou assiste televisão;
o sistema de crueldade propõe um olhar impessoal sobre a configuração psicológica com que nos construímos;
uma etnopsicologia não pode passar ilesa nesse ponto, pois pensar que a constituição psicológica em outras sociedades equivale à nossa é ponto de partida equivocado e refratário do qual nós partimos já estabelecendo pressupostos insustentáveis;
enquanto apenas se ensaia o tratamento de tais questões éticas, já dá para se ter a impressão do histrionismo de se colocar a felicidade ou a supressão da dor como pressupostos da ética;

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