06 setembro 2006

tal problema da distribuição de turnos será a pedra de toque da revolução na linguagem teatral e da dramaturgia de fins do século dezenove;
vozes que se desencontram podem ter o sentido psicológico de um afastamento entre a as pessoas ou significar alienação, no entanto, a experiência formal experimentada com tais recursos e o percurso pelo qual ela conduzirá tratam-se não apenas de uma revolução estética;
trata-se de uma revolução estética com conseqüências sobre outras linguagens, sobre o pensamento científico, a filosofia, trata-se, enfim, da constituição de uma outra imagem do pensamento, proporcionada pelo mergulho over no positivismo, ou seja, pelas calças curtas do pensamento positivo, suas ilusões e suas afinidades políticas;
o uso da linguagem foi um dos totens a serem tomado das mãos dos positivistas e destruído;
a linguagem empolada os parnasianos foi desmontada pelo modernismo brasileiro, o que nos proporcionou um diálogo inesquecível entre artes e antropologia, o qual tem na linguagem um importante eixo;
assim, trazer para a literatura a cultura e a fala popular e abordá-la de forma criativa passa a ser índice de modernidade, pré-modernismo;
o jogo de enunciados de um augusto dos anjos também pode ser tomado nessa articulação;
no teatro e na literatura são radicais as rupturas de autores que deixam de lado os estigmas regionalizantes, para lançar-se nas experimentações formais, criando para essas linguagens novas expressões e novas referências;

pesquisando a linguagem do romance, mikhail bakhtin se depara com um problema que terá amplo alcance no pensamento do século vinte;
pesquisando o narrador ao longo dos séculos em que a forma tem sido utilizada, depara-se com um problema mais vasto: a distribuição das vozes no texto e a gestão dessas vozes por parte desse personagem-autor, desse híbrido em que o narrador;
seu estudo das vozes advém da apropriação de estudos de hermenêutica literária antigos, bem como da teoria musical da antiguidade;
o romance é reconhecido como a forma do sujeito ocidental e universal por excelência, por ter formalizado o herói moderno, representação do indivíduo da sociedade capitalista e burguesa;
visto tal imagem do romance, o autor vai buscar, também, como o próprio romance fornece experiências-limite que levem a sua autofagia, à sua desestruturação;
o autor encontra na distribuição das vozes o texto o ponto de articulação que lhe permite elaborar uma teoria do romance;
de rabelais a dostoievski o autor faz da forma romance o tema de apoio para a formulação de uma filosofia da linguagem;
segundo o autor, a partir de suas pesquisas discursivas e dos enunciados, constata-se uma tendência na linguagem do romance no sentido de um auge da objetividade, em que o narrador impera absoluto, conduzindo o texto a mão de ferro, e depois, de um declínio que culmina com sua dissolução na obra paradigmática de dostoieviski;
essa filosofia da linguagem se constitui de material literário; no entanto ela fornece subsídios para problematizar a própria epistemologia de nosso pensamento, sua constituição e apropriação;
muitas são, aqui, as linhas que constituem a zona intersticial que unem teatro e antropologia;

nosso viés antropológico do teatro define-se pela linguagem do teatro no fins do século dezenove com a desestruturação do teatro naturalista;
tchekov traz problemas narrativos para o teatro, recria os problemas literários de sua obra e época através da linguagem cênica;
com a desestruturação dos personagens, da lógica de interlocução sustentada pelo dramaturgo-narrador, o teatro, que seria a arte representativa, a arte da verossimilhança por excelência, se vê implodir em conseqüência do próprio limite da representação;
o ultra-realismo acaba por proporcionar o limite de uma técnica que já passa a ser outra;
o excesso descritivo erra rumo ao expressionismo; o excesso de intimismo, possibilidade romântica do hiper-realismo, conduz às experiências existenciais de tchekov;
no entanto, sabe-se que não nos interessam suas pesquisas psicológicas, pelo menos não tanto quanto sua pesquisa formal junto ao teatro russo e suas possibilidades de novas formas de expressão, sua pesquisa de linguagem;
nessa pesquisa, a dramaturgia tem um papel fundamental, os grandes pensadores do teatro serão, a partir daí, grandes dramaturgos: artaud, brecht, beckett;
a descoberta da estrutura psicológica como forma tem sintonia com as experiências desses dramaturgos com seus personagens;
lembre-se a importância do teatro do século dezenove para a formulação da teoria psicanalítica de freud: o inconsciente como espaço de representação;
pois aqui, o personagem se transforma em espaço de criação, de criação psíquica, criação formal de conceitos teatrais, e não mais espaço de representação de dramas humanos, a relação teatro/mundo se modifica consideravelmente;
basicamente é a esta experiência que nietzsche busca recriar em o nascimento da tragédia, ao fazer renascer o trágico enquanto experiência de linguagem e não referência histórica a acontecimentos cristalizados num passado;
daí seu primeiro e definitivo combate com a ordenação discursiva imposta desde o pensamento religioso à filosofia, submissa a uma dinâmica da representação cujos pressupostos já a definem de antemão;
metafísica versus imanência, numa experiência em que a escritura se homogeneíza na forma da arte, em que o estatuto da criação artística se estendem para toda produção literária e para a própria vida, visto que a própria percepção, bem como todo o corpo, é colocado como parte da matéria-prima da arte;
um pensamento muscular, que não opera na dinâmica intelectiva, e sim, procura no corpo a dinâmica do pensamento trágico, que perece, que não quer ser eternizado como o intelecto e a alma, e sim, encontra sua potência nessa dissipação de energia que é a vida e seus ciclos de vida e morte;
essa consciência corporal do pensamento é a consciência lingüística, a auto-consciência textual, a gestão discursiva;
a dobra da épica
personagens se desestruturam sob nosso olhar;
o que interessa o problema formal, mais que o psicológico ou existencial;
o sujeito como significante, como forma e não conteúdo; o estruturalismo propõe o deslocamento do campo problemático da representação, transubstancializa a linguagem, redefine sua potência ao volta-la sobre si própria, sobre sua natureza criadora para além de reflexiva;

o teatro de fins do século dezenove nos apresenta aos olhos as experiências iniciadas com a literatura;
a dissolução do narrador conduz a mudança de planos da personagem; os dois planos mantidos em inter-relação de auto-sustentação dão lugar às experiências formais que os personagens passam a administrar, visto que o plano se torna um só;
o narrador não pode mais, a não ser já de forma metalingüística, manter-se num plano separado, deus ex-machina, enquanto a ação se submete a sua interposição;


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