24 agosto 2006



você foi o primeiro a nos ensinar algo fundamental: a indignidade de falar pelos outros
deleuze-foucault, 1972

o perigo é a estrutura narrativa própria ao texto antropológico; ou ela se volta para si, problematizando e redefinindo, via metodologia e textualização, a multivocalidade própria ao discurso antropológico; ou de outra forma, ela é arrastada pelo atavismo do dar voz aos marginalizados, quando, na prática, o que faz é ocupar toda a pista com seu discurso ao mesmo tempo autoritário e paternalista;
reconhecer, portanto, a natureza da linguagem, inicialmente como ela se constitui no pensamento ocidental, no pensamento do século XIX, e, depois, mais especificamente, na antropologia, redefinindo a disciplina genealogicamente, numa “história” dos discursos (não linear, não progressiva, ao molde dos precursores de kafka, de borges);
dizia o perigo, pois aqui mesmo, deste teclado, já saiu a seguinte definição de antropologia: é a arte de falar pelo outro, de agenciar vozes no discurso, gestão de enunciados;
desta forma, como não fazer do primeiro passo esse apontar de lápis, essa definição do foco narrativo e do tratamento as vozes que de cara já evidencia os planos discursivos que constituem o texto antropológico;
a partir daí, a operação evidencia sua dimensão, seu plano formal, desdobrando o texto sobre si mesmo, montando uma pista paralela que volta e meia, em pontos de inflexão, reflete os recursos discursivos que estão sendo utilizados, que estão constituindo o plano de imanência em que o texto compõe a própria prática de sua própria teoria;
nosso desafio hoje, não é mais o de enveredar-se pelos labirintos das teorias antropológicas e filosóficas; nossos orientandos necessitam de colocar em prática uma autêntica perspectiva antropológica em suas pesquisas;
pergunta-se: como fazer desse intrincado percurso filosófico, metodologias simples, que demonstrem na prática a distinção entre a verdadeira antropologia e o atávico histrionismo de concepções pseudo-antropológicas;

no caso da pesquisa iniciada junto aos ashaninka, tem sido voltar-se à constituição e redefinição da concepção de produção de conhecimento, a qual, de forma simples, evidencia a constituição dos dois planos que se constituem na pesquisa, sendo um deles o metateórico, aquele que volta o texto sobre si mesmo, e o outro o do saber indígena como processo de construção, de produção do qual se devora os procedimentos e métodos;
produção de conhecimento gerando produção de conhecimento, texto gerando texto; com isso, desvincula-se da relação com um mundo objetivado, com um sujeito objetivado, com um objeto; textos se alimentam de textos e alimentam novos textos;
o texto objetiva textos e seus procedimentos de constituição, numa vigília constante da dimensão que o coloca em contato;
o enfoque que estava voltado para um mundo objetivado, um campo de referentes metafisicamente objetivados, volta-se para a imanência do universo a produção textual, a natureza da produção de conhecimentos, onde os textos se constituem de textos e o discurso indireto caracteriza a natureza da linguagem;

pergunta-se: com isso o texto não se aliena em uma metalinguagem estéril; questão colocada, e deslocada ao mesmo tempo, por Latour;
pelo contrário, o texto se volta para sua natureza textual, o cientista fala de ciência;


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