31 agosto 2006


Há muito o tema da educação indígena no estado do Acre deixou de ser um tema específico de estudo. Sua projeção já tornou este tema uma matriz, um ponto de acesso a uma gama de possibilidades e estudo: a atual organização das comunidades, as políticas públicas para os povos indígenas, a gestão dos conhecimentos tradicionais, as práticas de comunicação, a produção de livros, discos e filmes, as ações dos agentes florestais indígenas, as pesquisas desenvolvidas por indígenas ou em parceria com os povos indígenas, o processo de gestão dos recursos naturais;
A especificidade desta delimitação é menos de tema que conceitual e metodológica. Opta-se aqui por trabalhar com a produção de conhecimentos. Com isso, instala-se uma perspectiva marcada pela metadiscursividade, quando o texto não perde de vista o lugar que ocupa e não perde seu enfoque numa transparência etnocêntrica.
A neutralidade, tomada antes como virtude da antropologia, pode comprometer um tema como este que temos em mãos. Sua consciência discursiva ordena um comentário que forneça uma instância em que o processo se dobre sobre si mesmo, demonstrando sua consciência lingüística.
Em resumo, o trabalho elaborado pelos professores indígenas é material etnológico por excelência, por que está consciente o tempo todo da linguagem utilizada na produção do conhecimento.
Tal característica, que parece tão simples, só encontra par em nosso conhecimento na antropologia, pois nossa ciência, obedecendo sua tradição metafísica, se caracteriza justamente, pela busca da neutralidade, da transparência da linguagem, prevalecendo o referente numa abordagem objetiva.

A natureza do tema possui similaridade com a natureza do texto. Também o texto-comentário se apresenta como produção de conhecimento.
O termo produção de conhecimento busca dar conta tanto do caráter processual do objeto/tema, como do protagonismo dos professores indígenas, característico da educação indígena no Acre.
Buscaremos assim, por razões metodológicas, evidenciar e problematizar em termos antropológicos, esse protagonismo que marca desde o processo de formação dos professores indígenas, de responsabilidade da CPI, até os trabalhos desenvolvidos pela OPIAC.
Os problemas discursivos, do jogo de vozes, da autoria coletiva e da pesquisa com fontes orais, as questões do regime enunciativo, que fala para quem, em que situação, quais os discursos dentro do discurso, histórias e mitos contados nas narrativas orais.
Operar com estes platôs, com tais dimensões discursivas, requer resoluções narrativas que são antigos problemas da antropologia. Como tratar a palavra do outro na pesquisa é um antigo problema antropológico.

Operar com discursos, com a sua produção, veiculação e efeitos, nos desloca, ou desdobra, numa esfera própria à antropologia. Nesta esfera o problema que se constitui é o da produção de pensamento, distinto daquele da descrição de características etnográficas, seja da sociedade ou de sua cultura.
Trabalhar com produções discursivas: cartilhas, mitologias, herbários, pesquisas monográficas, cancioneiros, músicas, documentários etc, coloca o texto-comentário em um ponto de inflexão, ângulo estratégico na definição da perspectiva etnológica.
O que havemos de conceituar em neste método como filosofia da implicação é a prática de se utilizar do recurso que está sendo decifrado no texto-objeto como recurso discursivo próprio à abordagem antropológica.
Só há sentido em conferir tais recursos a medida que nos desdobramos com esses recursos sobre o texto análise, empregando-os no comentário.
Assim, estabelece-se uma continuidade entre texto-objeto e texto-comentário que nos interessa como teoria antropológica e metodologia. Apaga-se a fronteira entre os textos, situamos num mesmo plano os textos.
Dessa forma, ao invés de o texto-comentário explicar o texto-objeto é o texto-objeto que se implica no texto-comentário. Com essa redefinição da relação entre o texto e seu comentário, redefine-se prontamente a relação entre antropólogo e nativo, esses dois lugares discursivos, essas duas funções enunciativas da narrativa antropológica.

O que se define aqui por teorias nativas, tema da antropologia por excelência, é o processo de constituição de instrumentos de pensamento, vias que permitam a produção de conhecimento, a articulação de linguagens.

Portanto, a intenção que aqui se explicita é lançar-se em busca dos recursos que nos forneçam dados para análise do material etnológico descrito.
A hipótese didática deste trabalho é que o material fornecido pelos professores indígenas pode tornar-se um importante instrumento na compreensão da especificidade da pesquisa antropológica.
Este trabalho mesmo, portanto, deve se constituir no principal beneficiário desta hipótese.


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