04 abril 2006


“Tudo o que chamamos verdade supõe uma anterioridade, fosse ela de um sopro - e uma prevalência - fosse ela quase apagada - do significante sobre o significado. (...) Se é possível 'dizer a verdade', é que o significado pode sustentar-se em si mesmo, em sua inteligibilidade, antes da queda no significante, que é a sua marca sensível.” (Wahl, Jean. Filosofia e estruturalismo: 135)

“Penso então que tal uso da noção de escrita arrisca manter os privilégios do autor sob a salvaguarda do a priori: ele faz subsistir, na luz obscura da neutralização, o jogo das representações que formaram uma certa imagem do autor. A desaparição do autor, que após Mallarmé é um acontecimento que não cessa, encontra-se submetida ao bloqueio transcendental. Não existe atualmente uma linha divisória importante entre os que acreditam poder ainda pensar as rupturas atuais na tradição histórico-transcendental do século XIX e os que se esforçam para se libertar dela definitivamente?” (Foucault, M. O que é um autor?: 271)

essa tradição histórico-transcendental do século XIX caracterizada por Foucault - justo ele - que permitirá articular a ruptura genealógica proposta por Nietzsche, com a proposta metodológica estruturalista que remonta a Franz Boas;
é tal ruptura que vemos caracterizada por Wahl na passagem seguinte de seu comentário da crítica de Jacques Derrida;
tal concepção de verdade associada ao significado, a um substrato transcendental representado pelo significante, é largamente criticada por Lévi-Strauss em seus primeiros textos sobre o xamanismo;
o xamanismo fornece à antropologia a experiência de formulação de uma outra concepção de verdade; esse processo é definido pelo autor em termos de eficácia simbólica;
a eficácia simbólica fornece um modelo etnográfico de composição textual próprio, uma metodologia que permite romper com tal tradição histórico-transcendental do século XIX;
neste procedimento, o texto rompe com a etnografia enquanto suposto referente de uma etnologia. O texto se dá enquanto fenômeno em sua própria constituição; a antropologia se constitui a partir do material etnológico, da textura do pensamento selvagem;
de que forma se dá esse processo: na ruptura com a abordagem da etnografia enquanto referente a ser comentado, refletido, representado pela etnologia;
passa-se da representação do referente para a agência: instrumento de articulação de outras vozes convocadas no texto;
o texto instaura-se enquanto espaço em que são invocados outros discursos de conhecimento; o texto deixa sua natureza transcendente para instaurar-se como campo de intensidades, de caráter imanente;
o texto ganha textura, dobra-se sobre si mesmo; o seu caráter formal é evidenciado como potência e não formalismo; não se sustenta mais sobre um campo transcendente;
a crise da representação nas artes do final do século XIX deixa de ter aquela inocência e aquela simplicidade; os recursos formais evidenciam-se nas telas, a narrativa rompe com o discurso direto: o texto se dobra sobre si, se debruça sobre seu corpo por meio de seus recursos formais; tal ruptura com a representação ganha assim proporções mais amplas;

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