28 setembro 2006

o problema é o seguinte, ou seja, a questão foi colocada nos seguintes termos: há uma passagem em alice em que se realiza um julgamento, num processo um tanto autoritário, para julgar o valete de copas do desaparecimento de um bolo;
nesse momento aparece uma carta sem endereço, a qual é ignorada; alice exige que ela seja lida; o coelho pega a carta, submisso e medroso e pergunta ao rei se pode lê-lo, com o assentimento, pergunta então: e por onde eu começo, ao que o rei: ora, comece pelo começo;
esse foi o ponto de partida para o nosso debate metodológico sobre a história; comece pelo começo... qual seria o começo: uma boa proposta: o começo se define pelo fim e o fim somos nós (aliás, esse é o princípio da genealogia);
os personagens da narrativa histórica: o rei, autoritário; o coelho, submisso; alice: o olhar sobre a narrativa histórica;
começo, meio e fim em aristóteles; a narrativa conforme a poética;
daí, passou-se ao dezoito de brumário de marx, na ruptura com a narrativa factual positivista, marx parte de hegel para chegar às revoluções que antecedem o século dezenove demonstrando como essas revoluções estão inspiradas no passado;
sua proposta e conclusão: inverter a inspiração no passado por uma inspiração no futuro: que os mortos enterrem seus mortos;
passando a hanna arendt: o fim de uma tradição: propõe a seguinte crítica a marx, que não teria virado hegel de cabeça pra baixo tanto assim;
marx pressupõe conceitos da tradição que ele pretende inverter, ficando, assim prisioneiro da tradição ao restar no campo da história, preso a uma obra no campo das palavras;
para ela no século vinte, com os totalitarismos, encontrava-se um fim à tradição humanista sustentada pelo pensamento liberal; a ruptura com a tradição se deve ao fato de o século vinte apresentar a essa tradição um fato que seria insustentável;
hanna arendt, como judia, colocava o holocausto como ponto de inflexão da história; seu discurso seria a experiência viva desse processo;

o que se coloca em questão em relação a condução desse fio narrativo da mithistória?
partindo de um texto interessante, a origem da tragédia, ou melhor, a concepção do trágico, concebemos esse processo como ponto de partida para uma reformulação do pensamento do século dezenove: o processo genealógico, segundo o começo se define pelo fim e o fim somos nós, entendendo nós como o lugar de enunciação e a voz do enunciador;
foucault é aquele que enuncia tal proposta de reformulação do pensamento do século dezenove, denominando-o pensamento histórico transcendental do século dezenove no texto o que é um autor?;
foucault ainda diz que supõe que seu leitor saiba do que se trata tal reformulação (pode até ser que seja a mesma crítica de hanna arendt a marx em seu aprisionamento na tradição);
no entanto, não teria hanna arendt ficado igualmente presa à tradição ao não colocar o problema metodológico e discursivo da estrutura textual, da configuração enunciativa em jogo, (problema que justamente seria aquele incansavelmente trabalhado pela micropolítica de foucault e de todo o pensamento estruturalista francês do século vinte?);
não seria esse o propósito de interpretarmos as vozes dos personagens de um texto tão problemático em termos de enunciação quanto o é alice, como vozes hipotéticas que regem o discurso histórico, vozes conflituosas em que se desmembra o poder da micropolítica, poder como ação, poder como jogo de forças;
ao não desdobrar o seu texto, especialidade do estruturalismo, retomando a tradição do século dezenove do procedimento hipotético-indutivo do empirismo positivista, a concepção de representação que sustenta a distinção entre texto e referente em seu método, é certo que hanna arendt se mantém presa à tradição que pretende extiguir
a partir daí, como sustentar a crítica de hanna arendt, justificando sua ruptura com tal tradição ao falar em nome das vítimas do holocausto, ao se apropriar de um processo histórico num gesto de totalitarismo discursivo?;
o que não se pode é justificar que foucault não teria levado a cabo tal reformulação por seguir inserido nessa tradição, junto com marx, após ter falado em nome das minorias sociais e sexuais, num evidente exercício de preconceito;
não se pode justificar que hanna arendt, por ser mulher e judia seria a visão de dentro do processo em oposição a uma visão de fora;
não se pode considerar a fala de alice, uma menina, com a fala de lewis carrol, um homem inglês (o texto de foucault citado foi justamente o que é um autor?);
nosso ponto de aprtida não tinha sido o jogo mithohistórico de analisar a narrativa de alice com suas vozes?;
não teria hanna arendt assumido a perspectiva do rei?;

21 setembro 2006


a constituição do sistema de agricultura convencional remonta às descobertas no campo da química, no final do século dezenove;
esse modelo de agricultura projetado pelos laboratórios estabeleceu o paradigma de pesquisas em agricultura hoje hegemônico nos países do circuito capitalista globalizado (agronegócios, hipermercados, distribuidoras etc), marcado por uma relação produtor-consumidor impessoal e distante;
as descobertas no campo dos fertilizantes artificiais revolucionaram os setores produtivos industriais e agrícolas;
associados aos agrotóxicos, os fertilizantes sintéticos, redefiniram esse setor produtivo ao encontrarem na associação entre órgãos governamentais e empresas produtoras desses insumos, os grandes investidores para as experiências de grandes produtores;
entre os grandes incentivadores e modeladores desse modelo hoje hegemônico de produção agrícola estão: Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a United States Agency for International Development (USAID - Agência Norte Americana para o Desenvolvimento Internacional), a Agência das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação(FÃO), dentre outras;
com um incentivo institucional internacional tão poderoso, logo essa estrutura alçou-se à paradigma ao ser acompanhada e ganhar impulso com sistemas de crédito rural subsidiado, bem como uma estrutura de ensino, pesquisa e extensão gestada por tal modelo;
a partir da segunda metade do século vinte esse modelo encontra suas primeiras críticas; inicia-se um processo de articulação que logo ganha proporções globais no sentido de criticar tal sistema e sua hegemonia incontestada até então;
o discurso que se ergue para criticar esse modelo caracteriza-se por suas características ecológicas;
no entanto, o alcance político do paradigma hegemônico caracteriza rapidamente como político o discurso ambientalista;
a agricultura convencional, o agronegócio, tem extensões por diversos setores do sociedade;
o discurso crítico do ambientalismo encontra na própria inversão dos princípios da agricultura convencional seu arsenal de ataque;
após a crítica malthusianista da escassez dos recursos em relação ao contingente populacional, a crítica que chama a atenção é aquela de que lança mão paschoal (1979);
o argumento do autor é o de que o aumento do uso de agrotóxicos aumenta igualmente a resistência e a variedade de pragas;
desde as últimas décadas, o problema tem sido colocado em termos de paradigma, articulando política, ciência, economia, pensamento;
os processos de certificação promovem um passo na direção de uma definição cada maior desse processo de produção que começa a se definir com paradigma;
o processo de certificação começa a definir o aspecto de integração desse processo de produção;
se por um lado tal processo abre precedentes para a entrada dos produtos orgânicos no grande mercado ou no mercado de exportação, por outro ele encaminha um processo de integração entre produção e comercialização;
no acre, é interessante notar a projeção que ganham os grupos de agricultores orgânicos no campo das pesquisas com sistemas agroflorestais;a experiência que esses grupos já acumulam faz deles grupos precursores nesse campo de pesquisa;

20 setembro 2006

o desprezo pelo acidental e a incompreensão do acaso e de princípios básicos com os quais podemos nos beneficiar com o caos e sua dinâmica, a partir de experiências que superam nosso campo de acesso e controle, que estão fora de nosso campo de consciência cotidiano, fazem a inépcia da consciência média de um homem ocidental como eu;
reformular este instrumento para lidar com os instrumentos metodológicos do pensamento hoje é um compromisso;
operar com o modelo de consciência forjado nos últimos séculos e décadas pela sociedade ocidental e seu pensamento, sua filosofia, sua religião, podem nos manter num paradigma que pouco poderá nos servir em relação aos problemas de agora;
para o modelo da consciência individual forjado pela psicologia, para objeto de estudo da sociedade capitalista ocidental – sociedade das menos interessantes, psicologicamente – coloca-se o modelo da inteligência coletiva;
sua vantagem inicial é, certamente, estar voltado à imanência e à implicação, servindo de método que implica em prática, num estudo que implica em processo, não em aquisição de idéias;
as idéias passam, aqui, a serem meios e não fins; os fins são os processos envolvendo agentes que formam sujeitos discursivos, que constituem polifônicos enunciativos;

12 setembro 2006

situando a memória na imanência dos fatos, o ano certamente era 1999, auditório da história, na faculdade de filosofia, letras e ciências humanas;
era dia de aula da professora marilena chauí, uma conferência aberta, o tema que a memória guardou: a constituição do sujeito de conhecimento na teoria do conhecimento;
começamos com um quadro da filosofia moderna do século dezesseis e dezessete; da retomada medieval da filosofia grega ao racionalismo cartesiano, chegamos ao problema do sujeito do conhecimento implicado na produção do mesmo;
de um quadro no qual o sujeito do conhecimento está fora, olhando o objeto de conhecimento com um olhar explicativo, nos desdobramos num método de implicação, que passa a considerar o pensador como elemento constituinte do saber;
essa mudança de perspectiva implica numa ruptura com um paradigma, com um modelo de organização do conhecimento, que prima pela objetividade e a neutralidade;
características como objetividade e neutralidade na descrição do objeto de conhecimento, modelo das ciências exatas, duras, são características próprias ao pensamento racionalista;
colocando o problema em termos de linguagem, podem ser comparadas as concepções de linguagem de descartes e leibniz, para tomar um contraponto;
enquanto descartes assume o modelo metafísico de situar a verdade ou a certeza no objeto, no referente, para leibniz a verdade se constitui enquanto linguagem, enquanto sentido, para lembrar deleuze;
apropriar-se da dimensão do sujeito do conhecimento é a revolução paradigmática no conhecimento moderno, ou seja dos últimos quinhentos anos;
abrindo parênteses: a obra de nietzsche é a que melhor define a constituição dessa revolução em sua ruptura com o paradigma do saber cristão, da filosofia escolástica, pautada nos princípios metafísicos do pensamento socrático e platônico, a qual formula o modelo da religião científica dos iluministas e o cachorro morto positivista da época de nietzsche que, depois disso, só encontrou morada no terceiro mundo;
fecham-se parênteses, bom, o sujeito do conhecimento não implica apenas na inserção do pensador em seu método de pesquisa, implica também no redimensionamento político, antropológico e, principalmente, epistemológico do texto;
o texto passa a inserir-se em seu campo epistêmico, ganhando, assim, dimensão epistemo-lógica, ou seja, o texto se dobra sobre si mesmo;
passa a circunscrever o universo de conhecimento no qual está inserido, fora e dentro perdem o sentido, visto que tudo passa a ser superfície;
a partir daí, pode identificar instrumentos e reconhecer-se como instrumento num contexto determinado, num campo de ação e de intencionalidades;
inserindo-se num contexto em que ganha dinâmica com a dialética, o texto adquire a dimensão da intencionalidade da práxis política que o define;
a história perde seu sentido universalista, cultura e sociedade passam a constituir campos dinâmicos, heterogêneos;

vida e dor
o amadurecimento do pensamento em uma determinada disciplina possibilita o aprofundamento nas questões referentes aos problemas aí tratados;
após apenas dois semestres ministrando ética, sinto que algumas das concepções que me tinham a função de esteio vão pouco a pouco sendo estraçalhadas;
o problema é que se mantivermos certa ‘generosidade’ com o leitor’ como me dizia um meu professor, nos colocamos diante de um difícil problema epistêmico, mais ainda nesta disciplina;
e fato é que tempo passa e continua passando e a química ética se mistura com a antropológica e o que sai é um material um tanto inflamável;
a viagem intelectual que alguns de nós se empenham em escalar em temporadas invernais, de nos despir dos valores morais e olharmos nossa produção de conhecimento e seus desdobramentos e conseqüências, com olhos rigorosos e até cruéis, operam transformações em nossas constituições que depois será difícil de se acostumar novamente no galinheiro;
o conjunto de pressupostos que dão sentido aos nossos discursos estão impregnados de valores morais;felicidade e prazer entre outros;
temos no pensamento grego a afirmação da consciência, a consciência como ponto de partida, como pressuposto fundamental da consciência;
em genealogia da moral, nietzsche nos propõe tomarmos a dor como ponto de partida na constituição da consciência;
esse autor problematiza assim a consciência, não como algo divino ou natural, e sim como uma criação humana, um produto social;
seria a dor que possibilita a criação de um campo sensível, a constituição de uma memória, o estabelecimento de um padrão, de uma obediência;
o homem, de animal imprevisível, é ferrado e condicionado pela dor à constituição de uma cons-ciência, dividindo assim um conjunto de valores, um código de costumes;
a pele é marcada com a lei, a dor é a tinta com que se imprime essa superfície;

com a constituição da consciência o homem se volta ao sistema que o possibilitou desenvolver-se, suprimindo a dor, por um lado, ou marginalizando-a e colocando uma camada da sociedade para servir dela;
é interessante ver a repulsa com que olhamos o sacrifício de uma criança em uma sociedade primitiva e a boa consciência com que submetemos milhares de crianças à fome, ao frio, à violência, à morte miserável;
não se admite a dor como parte do processo de aprendizagem; a dor é elemento fundamental da aprendizagem;
o sentido supremo das relações de consumo do sistema econômico nos coloca o prazer hedonista e usurário como medida para o padrão dos sentimentos que guiam o desempenho humano;
no entanto, não é possível querer aprender como quem compra roupas, comida ou assiste televisão;
o sistema de crueldade propõe um olhar impessoal sobre a configuração psicológica com que nos construímos;
uma etnopsicologia não pode passar ilesa nesse ponto, pois pensar que a constituição psicológica em outras sociedades equivale à nossa é ponto de partida equivocado e refratário do qual nós partimos já estabelecendo pressupostos insustentáveis;
enquanto apenas se ensaia o tratamento de tais questões éticas, já dá para se ter a impressão do histrionismo de se colocar a felicidade ou a supressão da dor como pressupostos da ética;
...escrever sobre escrever é o futuro do escrever...
galáxias, campos

pensar o pensamento, operar a genealogia da imagem do conhecimento que pensa tudo sem poder ser, da mesma forma, pensado;
não seria possível uma história do conhecimento enquanto história da ciência, a própria história foi criada nesse universo e obedece suas regras, não possui a lente tão transparente quando olhada do outro lado;
a genealogia pretende circunscrever esse plano absoluto criado para a história pela religião, essa plataforma narrativa em que o narrador instala o leitor;
analisar seu funcionamento, mais que seu sentido – característica da genealogia, num primeiro momento para as instituições como moral, religião, direito e seu erigir positivo, num segundo momento já para o próprio enunciado numa articulação saber/poder – é nisso que se investe;
desse movimento resulta a antropologia enquanto virada epistêmica, na releitura nietzschiana da parte maldita por mauss, com sua dobra metodológica e a sua abertura da dimensão discursiva à etnologia via teoria nativa, e todos os desdobramentos metateóricos do estruturalismo levi-straussiano;
dessa forma, a primeira ruptura proposta pela genealogia é essa, alinhar num mesmo plano, enunciação e enunciado, quebrando a estrutura narrativa tradicional, a imagem do pensamento objetivo cultuada pela doutrina positiva;
a narrativa se define como narrativa e, só assim, pode assumir-se narrativa, liberando assim o devir;
a enunciação se constitui parte do enunciado, a forma se constitui parte do conteúdo, só assim o enunciado pode confundir-se com a instância enunciativa, o conteúdo refletir-se na forma (função poética);
a imagem do conhecimento objetivo depende de uma formalização própria, não é todo o conhecimento;
o problema é que é próprio a essa imagem do conhecimento definir-se como universal, isolar o que vai além de seus limites, definir seus limites como o próprio limite, gênese e apocalipse;
ela mesma não cabe em si em suas experiências poéticas, míticas;
recriar a imagem do conhecimento depende de experiências, visto que a imagem do conhecimento objetivo foi constituída sob o isolamento entre pensamento e ação, a gênese representativa, metafísica, transcendente;

06 setembro 2006


as experiências formais no plano verbal proporcionadas pelo estruturalismo modificam o trato dos materiais com que lida a antropologia, seus objetos conceituais;
o fascínio pelo referente, segundo lévi-strauss, condicionava o exotismo na etnologia, pois a construção do objeto que não se voltasse para o próprio processo tendia a criar um outro a partir do mesmo;
esse outro acabava por ser mais um reflexo dos pressupostos do que o homem ocidental acreditava ser, o que pensava de si próprio, do a proposta de um percurso filosófico para a circunscrição de seu próprio conhecimento em relação a outros sistemas;
a onipotência e onipresença do homem e do pensamento ocidental resultavam numa refração em seu espelho;
quando pensava estar fixo sobre o outro – mais fixo do que nunca – o sujeito ocidental não podia enxergar que o que fixava era sua própria objetividade;
era com tal objetividade obsessiva que ele forjava essa imagem de outro que acabava por conduzir à imagem de si, de sua própria percepção, de seu próprio modelo de mundo, de seu conhecimento;
nesse momento, voltar-se sobre os processos, num discurso metalingüístico, foi uma revolução, pois a consciência da linguagem revelou a função reacionária das construções positivas, cuja fórmula era: + neutralidade = + ciência = - política
um tal universo que visa a ciência como saber universal, como espelho e reinscrição da natureza, obstina-se na busca e definição do referente em detrimento da pesquisa da natureza discursiva de sua linguagem;
ou seja, o discurso tecnicista e cientificista se propõe abolir a antiga conjunção entre ética e política, dada a natureza positiva, isto é, referenciada pela moral e os costumes, desse pensamento;


a conquista da antropologia estruturalista foi voltar-se para a linguagem, rompendo com a história, tomando a via da genealogia – o grande livro da antropologia é a genealogia da moral – e sua consciência textual, na qual o texto não se aliena no referente ao cair na obsessão de uma objetividade cega;
o método histórico, que tem por princípio a dialética que conduz a transformação, acaba por ser indissociável de certo universo evolucionista que o pariu, o qual, por sua vez, está inscrito e circunscrito no campo da convergência – configuração de uma cultura universal – que a ciência ocidental herdou de seu progenitor, o monoteísmo judaico;
a genealogia propõe a inserção radical do processo, o texto como processo dentro do processo que descreve;
o texto é devir, não se destaca do fluxo de seus enunciados, da construção de seu referente, não destaca os planos referência/referente e, por extensão, antropólogo/nativo;
não distingue esses planos e sim, os reflete, o que lhe proporciona séries de experimentos de linguagem pouco decifráveis ainda hoje, visto que esses experimentos estão inscritos em caracteres do plano formal e muitos dos nossos olhos ainda estão acostumados a buscar no texto estritamente – e até com certo pudor – seu conteúdo informativo;
vidarte
o objetivo é conduzir uma leitura que proporcione abordar problemas comuns às artes visuais e à antropologia visando utilizar-se, a partir daí, do instrumental teórico e técnico-prático (metodológico) da pesquisa em antropologia visual;

levar à compreensão de que a prática reflexiva em artes exige um embasamento metodológico próprio, o qual está no cerne dos problemas da filosofia contemporânea;

remetodologizando
parte considerável dos antropólogos e humanistas contemporâneos considera as mitológicas como a grande contribuição de lévi-strauss aos estruturalismo, e este como a grande contribuição da antropologia ao pensamento ocidental;
muitos dos instrumentos utilizados atualmente na área têm origem a partir das contribuições dessa escola;
a antropologia visual é uma dentre os seus tributários;
ao longo de sua obra, lévi-strauss aperfeiçoa sua máquina metodológica até sua experiência mais ousada: tomar o mito como experiência formal na proposta de uma metodologia própria às ciências humanas;
os limites entre forma e conteúdo, mito e método, referente e referência, ciência e poesia, oral e escrito, verbo e vida, encontram novas dimensões;
o mito é uma forma que se autodefine, uma experiência de poiesis definida pelo material que a vida disponibiliza ao bricoleur;
não mais a teoria do bricolage – pensamento selvagem [1972] – pois sua prática exige a dobra sobre a forma, exige que leve às últimas conseqüências a experiência formal;
o método é uma forma que se torna conteúdo na mão do autor durante o seu período metateórico de mestre estruturalista;
ao desdobrá-lo, tornando-o forma novamente – nunca deixou de sê-lo – é imperativo dar o passo adiante e arrematar a profecia;
lá está: o que define esta hermenêutica é a natureza do mito, mito tornado categoria;
o mito conduz de outra forma a organização do conhecimento, propõe outra imagem do saber, é a vazante para um outro universo, para o qual o nosso manual/referencial newtoniano e cartesiano deve ser reformulado;


um dos problemas, diria o problema central, sobre que a antropologia se debruçou no séc. XX foi a questão a imagem do conhecimento ocidental;
de onde advém essa imagem, como se constitui, o que garante, quais são as suas funções;
ao se debruçar sobre este problema, coloca em questão a imagem tradicional do conhecimento, criticando sua constituição no mesmo movimento em que propõe e constitui sua transubstanciação;
como criticar a tradição que a forjou, que criou para ela as condições de possibilidade: dilema edípico;
o nódulo do problema se concentra na representação, na forma com a qual a linguagem se propõe recriar o mundo, a relação entre forma e conteúdo, referência e referente, linguagem e mundo;

o que chamamos de dobra é a volta da forma sobre si, momento em que o referente tem seu domínio suspenso e a expressão se deixa ver pura forma;
essa consciência formal desabrocha na arte ocidental moderna;
é el greco que lévi-strauss evoca
[1] para exemplificar como a construção de uma normalidade define a própria anormalidade, o outro, o exótico, o histérico e, no caso, o selvagem;
algo mais interessante que citar pintores ou autores, seria pensar o seguinte paradoxo: do mais íntimo e profundo realismo emerge as mais arrebatadoras experiências formais;
é assim que da arte clássica irrompam os monstros barrocos, do neoclassicismo para o trágico romantismo com sua arte da existência, do realismo fim de século irrompam as vanguardas;

quando a linguagem toma consciência de si, sua relação, antes servil, com a realidade nunca mais será a mesma;
e nem sempre ela causará estardalhaço; pode ser que essa dobra seja tão sutil que beire um realismo, mas que o vá corroendo por dentro até vê-lo desmanchar
[2];


será que num mundo em que predomina o imperialismo violento, as conquistas humanistas do construtivismo deverão ser extintas; será que o poder tecnológico no qual investimos nosso próprio futuro servirá para acentuar ainda mais o antigo monopólio oligárquico do quarto poder; será que quando se chegou à fórmula, paga por todas as classes com mais ou menos suor, de uma possível abertura dos meios e uso das linguagens, o projeto será abortado por mais uma ditadura;
o poder subversivo e revolucionário da poiesis, da arte, da construção de mundos é atestado pela imagem monocêntrica, monológica, monoteísta que o homem ocidental constrói de si para si;
o pensamento da diversidade, que propõe recortes estranhos à realidade política, social, econômica composta por nossas elites, não encontra meios para se veicular, não encontra vias horizontais num campo em que todas as linhas convergem para a verticalidade;
arte e antropologia são campos distintos, é certo; no entanto há linhas que cruzam tais campos, atravessam de um a outro perpassam-nos;
nietzsche com seu estilo dinamita as fronteiras que distinguem os discursos – genealogia da moral, o grande livro da etnologia – instaura a reviravolta da linguagem que ainda nos espanta;
linguagem e vida: linguagem é vida – uma vida;
bachelard articula tais linhas em sua poética, vê na poiesis o ponto de articulação, as zonas de indiscernibilidade;
foucault articulou tais campos redefinindo a representação a partir da concepção do enunciado, categoria que perpassa transversalmente esses espaços homogêneos;
tais pensadores propõe uma imagem do pensamento que acompanhe a arte, a poesia que caminha disparada, visionária;
a dobra, aqui, seria essa linha que perpassa e costura a arte desde suas remotas não origens, ao se problematizar a representação;
a natureza trágica da arte pode ser a responsável pela facilidade e leveza com que esta conduz a percepção a abrir mão da ordem da verossimilhança;

enquanto a religião e a política oficial operam com a unificação, com a homogeneização da percepção, a arte visa o delírio e a loucura que consiste na criação de formas e principalmente, de percepção;
enquanto trágica, portanto, a arte é profana, pois visa dessacralizar a percepção, os valores que dirigem os costumes;
a nossa imagem, a imagem brasileira do pecado, do outro, do o... e de toda sua corja, imagem que perdurará em nosso imaginário, em nossa cultura é a dos deuses de nossos antepassados, chamados também de pagãos;
com a constituição e efetivação do mercado mundial, tais elementos passaram de ameaça que eram a objeto de consumo;
da mesma forma que não se podia dispensar o mercado de escravos para escravizar gratuitamente os indígenas, não podemos dispensar o consumo desses artefatos da mística crioula, ainda que, mais do que nunca, continuemos formando nosso exército de evangélicos para o mercado de trabalho;
por mais escravizados que os católicos aceitassem ser, eles degeneravam em beatos, eles acabavam criando dicotomias, o que não ocorre com o novo exército;

a imagem do sujeito que sustenta a imagem do conhecimento tradicional, modelado pela objetividade e a neutralidade positivistas, será o alvo alvejado; por isso, talvez, esse encontro decisivo de lévi-strauss com a psicanálise;
a imagem do homem define sua imagem do conhecimento e vice-versa;

a crítica de foucault, segundo a qual a representação, a forma da linguagem, prioriza, ou mesmo, se restringe ao referente, ocultando o processo formal e promovendo a alienação/inconsciência discursiva, conduz, como conseqüência, inclusive, da inspiração nietzschiana, ao que se denominará morte do homem;
a morte dessa estrutura psicológica não se restringe à abolição do autor, figura psicológica que assombra com seus fantasmas a autonomia e a singularidade dos textos;
a abolição dessa estrutura psicológica estende-se mesmo a todo seu alcance sobre a imagem do conhecimento que construímos a partir dela;
uma idealização de natureza similar se estenderia tanto sobre a imagem do homem ocidental, que traz em seu bojo a contra imagem do não-homem não-ocidental, como sobre sua imagem do conhecimento com sua capa de pressupostos;
o ponto de inflexão encontrado na constituição de filosofias foi o problema da metafísica, problema central para se tratar a imanência e uma filosofia da implicação;
o problema da metafísica desdobra-se no problema da representação;
assim como o homem se teria separado, distinguido da natureza, através da cultura, essa mesma cultura se voltaria de novo sobre a natureza em busca de um modelo que a decifre, modelo este híbrido de natureza e cultura;

[1] totemismo hoje [19..], col. os pensadores;
[2] o espelho, machado de assis; o artista da fome, franz kafka; bartleby, herman melville; jorge luis borges; clarice lispector; guimarães rosa;
tal problema da distribuição de turnos será a pedra de toque da revolução na linguagem teatral e da dramaturgia de fins do século dezenove;
vozes que se desencontram podem ter o sentido psicológico de um afastamento entre a as pessoas ou significar alienação, no entanto, a experiência formal experimentada com tais recursos e o percurso pelo qual ela conduzirá tratam-se não apenas de uma revolução estética;
trata-se de uma revolução estética com conseqüências sobre outras linguagens, sobre o pensamento científico, a filosofia, trata-se, enfim, da constituição de uma outra imagem do pensamento, proporcionada pelo mergulho over no positivismo, ou seja, pelas calças curtas do pensamento positivo, suas ilusões e suas afinidades políticas;
o uso da linguagem foi um dos totens a serem tomado das mãos dos positivistas e destruído;
a linguagem empolada os parnasianos foi desmontada pelo modernismo brasileiro, o que nos proporcionou um diálogo inesquecível entre artes e antropologia, o qual tem na linguagem um importante eixo;
assim, trazer para a literatura a cultura e a fala popular e abordá-la de forma criativa passa a ser índice de modernidade, pré-modernismo;
o jogo de enunciados de um augusto dos anjos também pode ser tomado nessa articulação;
no teatro e na literatura são radicais as rupturas de autores que deixam de lado os estigmas regionalizantes, para lançar-se nas experimentações formais, criando para essas linguagens novas expressões e novas referências;

pesquisando a linguagem do romance, mikhail bakhtin se depara com um problema que terá amplo alcance no pensamento do século vinte;
pesquisando o narrador ao longo dos séculos em que a forma tem sido utilizada, depara-se com um problema mais vasto: a distribuição das vozes no texto e a gestão dessas vozes por parte desse personagem-autor, desse híbrido em que o narrador;
seu estudo das vozes advém da apropriação de estudos de hermenêutica literária antigos, bem como da teoria musical da antiguidade;
o romance é reconhecido como a forma do sujeito ocidental e universal por excelência, por ter formalizado o herói moderno, representação do indivíduo da sociedade capitalista e burguesa;
visto tal imagem do romance, o autor vai buscar, também, como o próprio romance fornece experiências-limite que levem a sua autofagia, à sua desestruturação;
o autor encontra na distribuição das vozes o texto o ponto de articulação que lhe permite elaborar uma teoria do romance;
de rabelais a dostoievski o autor faz da forma romance o tema de apoio para a formulação de uma filosofia da linguagem;
segundo o autor, a partir de suas pesquisas discursivas e dos enunciados, constata-se uma tendência na linguagem do romance no sentido de um auge da objetividade, em que o narrador impera absoluto, conduzindo o texto a mão de ferro, e depois, de um declínio que culmina com sua dissolução na obra paradigmática de dostoieviski;
essa filosofia da linguagem se constitui de material literário; no entanto ela fornece subsídios para problematizar a própria epistemologia de nosso pensamento, sua constituição e apropriação;
muitas são, aqui, as linhas que constituem a zona intersticial que unem teatro e antropologia;

nosso viés antropológico do teatro define-se pela linguagem do teatro no fins do século dezenove com a desestruturação do teatro naturalista;
tchekov traz problemas narrativos para o teatro, recria os problemas literários de sua obra e época através da linguagem cênica;
com a desestruturação dos personagens, da lógica de interlocução sustentada pelo dramaturgo-narrador, o teatro, que seria a arte representativa, a arte da verossimilhança por excelência, se vê implodir em conseqüência do próprio limite da representação;
o ultra-realismo acaba por proporcionar o limite de uma técnica que já passa a ser outra;
o excesso descritivo erra rumo ao expressionismo; o excesso de intimismo, possibilidade romântica do hiper-realismo, conduz às experiências existenciais de tchekov;
no entanto, sabe-se que não nos interessam suas pesquisas psicológicas, pelo menos não tanto quanto sua pesquisa formal junto ao teatro russo e suas possibilidades de novas formas de expressão, sua pesquisa de linguagem;
nessa pesquisa, a dramaturgia tem um papel fundamental, os grandes pensadores do teatro serão, a partir daí, grandes dramaturgos: artaud, brecht, beckett;
a descoberta da estrutura psicológica como forma tem sintonia com as experiências desses dramaturgos com seus personagens;
lembre-se a importância do teatro do século dezenove para a formulação da teoria psicanalítica de freud: o inconsciente como espaço de representação;
pois aqui, o personagem se transforma em espaço de criação, de criação psíquica, criação formal de conceitos teatrais, e não mais espaço de representação de dramas humanos, a relação teatro/mundo se modifica consideravelmente;
basicamente é a esta experiência que nietzsche busca recriar em o nascimento da tragédia, ao fazer renascer o trágico enquanto experiência de linguagem e não referência histórica a acontecimentos cristalizados num passado;
daí seu primeiro e definitivo combate com a ordenação discursiva imposta desde o pensamento religioso à filosofia, submissa a uma dinâmica da representação cujos pressupostos já a definem de antemão;
metafísica versus imanência, numa experiência em que a escritura se homogeneíza na forma da arte, em que o estatuto da criação artística se estendem para toda produção literária e para a própria vida, visto que a própria percepção, bem como todo o corpo, é colocado como parte da matéria-prima da arte;
um pensamento muscular, que não opera na dinâmica intelectiva, e sim, procura no corpo a dinâmica do pensamento trágico, que perece, que não quer ser eternizado como o intelecto e a alma, e sim, encontra sua potência nessa dissipação de energia que é a vida e seus ciclos de vida e morte;
essa consciência corporal do pensamento é a consciência lingüística, a auto-consciência textual, a gestão discursiva;
a dobra da épica
personagens se desestruturam sob nosso olhar;
o que interessa o problema formal, mais que o psicológico ou existencial;
o sujeito como significante, como forma e não conteúdo; o estruturalismo propõe o deslocamento do campo problemático da representação, transubstancializa a linguagem, redefine sua potência ao volta-la sobre si própria, sobre sua natureza criadora para além de reflexiva;

o teatro de fins do século dezenove nos apresenta aos olhos as experiências iniciadas com a literatura;
a dissolução do narrador conduz a mudança de planos da personagem; os dois planos mantidos em inter-relação de auto-sustentação dão lugar às experiências formais que os personagens passam a administrar, visto que o plano se torna um só;
o narrador não pode mais, a não ser já de forma metalingüística, manter-se num plano separado, deus ex-machina, enquanto a ação se submete a sua interposição;